quarta-feira, 25 de março de 2009

A chave de casa

o texto ficcional, se for um trabalho de luto / para freud (1917), o luto é o lento e penoso redirecionamento do desejo de algo que não mais está para algo que ainda esteja. E, à diferença da melancolia, o luto não é patológico, mas sim um estado na-tu-ral que surge como reação a uma perda e que terminará também na-tu-ral-mente tão logo o indivíduo encontre um brinquedo novo com que se distrair.

Essa perda pode ser, ainda Freud, a “de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela”, qualquer razão de afeto / pela morte, um rompimento, tais buracos. É nestas perdas que se escreve A chave de casa, de Tatiana Salem Levy. Capítulos curtos flutuam nas páginas (como nas boas edições de Machado de Assis) sem números ou nomes, sem localizar x leitor/a, intercalando mortes de uma mesma narrativa sem totalizá-las. A estética do fragmento.

O fim de um namoro violento e apaixonado / A morte da mãe / O arquétipo judaico da expatriada vivido na expulsão da família de Portugal pela inquisição / depois na emigração do avô da Turquia / depois no exílio político dos pais em Portugal / depois na volta da narradora à Turquia e a Portugal / nos passos lúdicos do turismo. Em estado inicial de autoflagelo e punição de si (mais próximo da melancolia do que do luto, ah somos categorizáveis), a narradora recebe, do avô, a chave de sua antiga casa em Esmirna. “Olhei-o com expressão de desentendimento. Agora, deitada na cama com a chave nas mãos, sozinha, continuo sem entender. E o que vou fazer com ela? Você é quem sabe, ele respondeu, como se não tivesse nada a ver com isso.”

Começa então o remoer criar e contar as histórias que acontecem no romance, na reformulação da mobilidade para superar essas perdas. Porque (freud freud freud)
Em cada uma das recordações e situações de expectativa que mostram a libido ligada ao objeto perdido, a realidade traz à tona seu veredicto de que o objeto não existe mais e o ego, por assim dizer, indagado se quer compartilhar esse destino, deixa-se determinar pela soma de satisfações narcísicas dadas pelo fato de estar vivo, e desfaz sua ligação com o objeto aniquilado.

O luto, então, é um processo de reafirmação do eu / a tiros de vamos pra vida / de lembrar do caixão baixando e formular de tantas formas “pelo menos não sou eu que estou ali”. /// E se o texto ficcional for um trabalho de luto. Simular um trabalho de luto. O livro de Tatiana Salem Levy, no entanto, talvez não conclua uma superação. Não, pelo menos, como quem manda um beijo-não-me-liga para a morte e as coisas voltam a ter cor pela desligação com o objeto aniquilado. Quem se desliga? A epígrafe do livro já diz:

Dizem que o tempo ameniza.
Isto é faltar com a verdade.
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade.

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria.
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria


Emily Dickinson
Tradução de Idelma Ribeiro de Faria

sábado, 14 de março de 2009

Essas distâncias

Terminar de ler um livro pode ter vários efeitos no seu dia. Eu geralmente sinto uma euforia antecipada, nas últimas dez páginas leio cada uma me certificando de que agora faltam nove, agora oito, agora sete, e quando finalmente chego ao fim as últimas linhas é como se não as lesse. Às vezes tenho de voltar e reler o último parágrafo pra me certificar: acabou. Mas sempre faço isso com um pouco de tristeza, porque afinal de contas o fim já passou. Feito corpo que demora no velório.

Passo as últimas páginas percorrendo as estantes e os neurônios me perguntando: qual o próximo que vou ler? Tento entender o que está se passando nessas últimas páginas, qual a estória o ritmo a atmosfera e me pergunto: quero continuar assim? Ou quero uma mudança brusca, freada e outras armadilhas?

Bem frequente é não conseguir começar nada logo após. Fico numa pasmaceira preguiçosa, nem triste nem alegre, e nada me parece bom o suficiente para que eu me levante, agarre a lombada, abra a primeira página e encadeie as palavras, começando de novo essa brincadeira de adultos que não leva a lugar nenhum: "It was a dark and stormy night..."


Um luto anunciado, o fim de um livro. E o começo de outro é um nascimento incerto, pelado de afetos mas cheio de espectativas que podem te botar comovido como o diabo se na terceira página você o fecha sobre o marcador, coloca-o de lado e se dá ao desleixo de nunca mais voltar.

sexta-feira, 6 de março de 2009

quem é que lê

O filho eterno é um livro sobre um escritor/intelectual/acadêmico frustrado cínico com relação a si mesmo e às suas leituras e ironiza inclusive a sua própria covardia / fazendo fita / citando e desabando.

Não espanta: tantos prêmios, jabuti portugal telecom apca e muitos mais. Com o pessoal dos Cadernos Negros eu aprendi: quem lê lê pra si, cara pálida. (Não será também assim com Machado de Assis*?)

*ou inclua aqui o nome do seu escritor preferido
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