tag:blogger.com,1999:blog-15593860459703611092024-03-05T04:28:20.367-03:00quase resenha<i>o monumento não tem porta</i> / anotações de leituraUnknownnoreply@blogger.comBlogger98125tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-49938407868044290282019-03-26T15:36:00.000-03:002019-03-26T15:36:22.426-03:00foda-se o legadoo nosso modo de vida é baseado na herança, e olha no que deu.<br />
<br />
a lata de coca-cola que eu tomo concentra a alegria da destruição perene, não biodegradável, que resume o ocidente.<br />
<br />
os dinossauros, muito mais bem-sucedidos que a gente em termos cronológicos, conspiraram: não vamos deixar nada pro futuro, nenhuma invenção duradoura, quem vier terá que sujar as mãos e quebrar a cabeça pra achar nos poucos ossos que restarem algum indício da nossa civilização.<br />
<br />
o desmatamento tem revelado na amazônia antimonumentos de sociedades que morreram e que não deixaram selfies nem testamentos, e sim uma floresta plantada pelo anonimato.<br />
<br />
se a gente ainda tiver alguma chance, ela está na abdicação de todas as vontades de legado. o tempo é que vai dizer qual sobrevida vale a pena. se deixar morrer é o único jeito de continuar vivoUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-87791098004484835992015-03-19T22:44:00.002-03:002015-03-19T22:44:55.891-03:00Gerontofilia, do Bruce La BruceÉ legal quando um diretor mal educado faz um filme mainstream, ou quase. A concepção clichê de mainstream aparece nos cortes, nos quadros, na trilha, mas sempre meio torta, escorregando.<br />
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O jeito mais subversivo de mostrar uma cena de amor entre um menino de 18 anos e um velho de 82 é mesmo do jeito mais convencional possível: música melosa, closes de toques apaixonados, beijos quase castos. O contraste das peles faz todo o resto do trabalho. E, ao mesmo tempo, é só uma cena de sexo não explícito. O filme olha aquilo como se fosse qualquer coisa. E deixa, pra gente, lidar com o nosso próprio estranhamento.<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-76951745452703405912015-03-19T11:09:00.001-03:002015-03-19T11:09:35.164-03:00velhice e erotismoA mesma operação discursiva que Foucault diagnostica na <i>História da sexualidade</i> (não há repressão sexual, mas proliferação de discursos sobre o sexo, e isso acaba por fazer dele um imperativo circunscrito e controlado) pode ser atribuída à velhice, em contraposição ao diagnóstico de Simone de Beauvoir ("há uma conspiração do silêncio")?<div>
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Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-44157605140261708842015-03-19T09:45:00.001-03:002015-03-19T09:45:37.245-03:00romance americanoSe o romance do século 19 serviu à formação do Brasil como Estado, os do século 20 terão servido ao seu derruimento?Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-62619203953255431832015-02-23T12:42:00.001-03:002015-02-23T12:42:48.585-03:00Lucíola, de José de AlencarLido dez anos depois, sem a obrigação escolar, o que eu não tinha percebido ou não lembrava: é gostoso de ler.<div>
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Gostoso = sem encontrões. A leitura é fluida, monótona.</div>
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O único incômodo é o de encontrar uma realidade tão absurda, o Rio de Janeiro do século 19, sem sunga, sem violência urbana, até sem escravidão. Homens e mulheres elegantes entretidos em suas próprias relações monogâmicas, heterossexuais, em que tudo se deve a si mesmo, à pessoa ao lado, à sociedade e a Deus sobre todas as coisas. Esse conforto instalado no absurdo me faz ter a impressão de estar lendo um romance surrealista, e isso me diverte.</div>
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A palavra prostituta não é dita. Puta muito menos. Lúcia é cortesã.</div>
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<a href="http://youtu.be/qfbBeozxJhY" target="_blank">Gabriela Leite em discurso na Câmara Municipal do Rio de Janeiro</a>: "Puta, para as pessoas, é nada, não chega nem a ser mulher. Eu gosto muito da palavra puta, porque eu quero que um dia essa palavra se torne uma palavra bonita. Porque você não faz movimento nenhum se escondendo debaixo da mesa".</div>
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A cortesã de Alencar é diferente da puta de Gabriela. Lúcia é narrada na terceira pessoa. Gabriela é uma puta que fala.</div>
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Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-58339210538650486332012-09-23T16:15:00.002-03:002012-09-23T16:15:52.497-03:00este blogue foi transplantado para<br />
<br />
<a href="http://umacasainteira.blogspot.com.br/">http://umacasainteira.blogspot.com.br/</a>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-64021879278483022012012-04-29T15:04:00.002-03:002012-04-29T15:04:43.552-03:00blogue fóssilUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-62822598494563327452011-09-01T13:48:00.001-03:002011-09-01T13:49:53.075-03:00foguete<a href="http://books.google.com.br/books?id=NTr92RrFDOsC&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false">Então</a><br />
quando Pessoa escrevia o <i>Mensagem</i>, o Supra-Camões não se tratava de uma superação qualitativa, mas sim de uma superação mística, poética<br />
<br />
emulação do gênero<br />
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Mas não do gênero "epopeia". E sim do gênero "gênio" e do gênero "nação" (<i>minha pátria é minha língua</i>).<br />
<br />
Trata-se - pensando na tradição hoje - de emular. Não é uma linha sucessória e competitiva.<br />
<br />
Como ser, hoje, o Supra-Camões?
Aí está uma questão de projeto. Camões não me interessa. Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo. [Aqui estou autobiográfico]. Super-Lispector, então? Qualquer que seja o máximo da Arte.<br />
<br />
Super-Cachorro Vivo.<br />
<br />
Meu gênero é a vida.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-60847234791331295332011-06-05T16:36:00.001-03:002011-06-05T16:38:29.975-03:00o texto que resta(primeiras impressões de maria gabriela llansol)<br />
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*<br />
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a primeira impressão é esta: ela mata tudo. nivela, achata, deixa indistinto.<br />
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quando lemos algo pela primeira vez, essa leitura se baliza pelas referências que já temos, as leituras anteriores. por vezes uma nova leitura é um sofá novo numa sala. outras vezes, é o mesmo sofá velho, visto de novo. pode ser também uma nova janela, uma porta, um cômodo escuro descoberto ou até (é isso que busco, urano) a destruição da casa inteira. mas há sempre um antes e um entorno.<br />
<br />
o antes e o entorno que encontrei com llansol foi certa tradição francesa do excesso de palavras e da supervalorização do texto como um em-si para o qual tudo tende e no qual tudo morre, se ata e se dilui. os vazios de flaubert, o mundo-que-existe-para-virar-livro de mallarmé, a obsessão de catálogo de barthes. tenho a literatura francesa na prateleira da preguiça, e está aí um sofá de que qualquer hora me livro, espero um dia amar a frança, vamos ver no que vai dar.<br />
<br />
no brasil, quem vai muito pra isso é o haroldo de campos. <i>galáxias</i> é um texto triste, punheta triste.<br />
<br />
a mesma que eu li nas muitas vezes em que abri um livro ou um texto de llansol para tentar me aproximar. "o texto, o texto, o texto" ela diz. o sol tão claro lá fora, e nela "o texto o texto o texto". uma escrita sobre a escrita, sobre a divindade da escrita, me deixa enraivecido e intolerante. porque me lembra também certa poesia brasileira a partir dos anos 90, acadêmica, neoparnasiana, fraca e melindrosa. vazia, mas se achando cheia, pedestal.<br />
<br />
óbvio que a escrita é um tipo de experiência. e, como tal, deve ser escrita. mas a escrita-experiência (assim como qualquer outra experiência?) não existe sozinha, assim como o corpo não existe sozinho. não quero usar a masturbação como metáfora do ruim, mas bem: quem só se masturba não troca energias com ninguém. não tem repertório. a escrita, em si, não é repertório algum. e escrever não faz nada de ninguém.<br />
<br />
quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.<br />
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***<br />
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pela primeira vez consegui ler mais de vinte páginas de um texto da llansol. o livro se chama <i>a restante vida</i>. me foi indicado com entusiasmo há um ano, e quando o abri, abriram-se de vez as minhas comportas de raiva contra essa llansol, que me pareceu medíocre, mesquinha, cínica, sendo tudo isso uma crueldade com a qual eu me recuso a pactuar, há jeitos mais vivos e mais divertidos de ser cruel.<br />
<br />
mas a gaja está à minha volta. um ano depois, tenho de novo nas mãos <i>a restante vida</i>. e, após ter folheado muita coisa dela e ter inundado a cidade com ódio, resolvi brigar de frente. e acolher. duelo, dueto, espada e balança. também não vou ficar arrancando a relva do chão que a gente pisa, feito mulher desprezada e raivosa. fiz da llansol minha montanha.<br />
<br />
e, lidas vinte páginas, tive um click de compreensão, uma entrada no texto que talvez seja uma porta, uma janela. pode ser um pano de prato. mas pronto, está aqui. primeiro pensei: "que <i>o texto</i> é um personagem". depois, que não, não, está mais para objeto. <i>o texto</i> é um <i><a target="_blank" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHVF6GHsyivCuDeqaf7eXHDd7siYl4CiBvT_OfcEOteIG8VUq3QiDldZERIMsWhzDvypo8YpewN2FpfFvbzBzCA_qaf3LIln8YVk6TEF0HCHoIRFAMcpwkR9igGPmtVBCg-Sjt78oC2cU/s1600/precious.jpg">my precious</a></i>. ou, melhor, talvez: uma batata quente.<br />
<br />
senti isso agora, há pouco, no ônibus. não sei como vai continuar a leitura. talvez eu faça aqui um diário dessa leitura, era uma boa, o diário de uma aproximação hostil. de todo modo, quis, antes de continuar, registrar as primeiras más impressões, que são um estrato em que esse fóssil vai ser investigado.Unknownnoreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-35735490128539883082011-05-10T14:28:00.002-03:002011-05-10T14:28:26.730-03:00Crítica e comunicação[...] uma crítica cinematográfica de ordem puramente estética deve estar reservada às revistas, nas quais o crítico, não sendo obrigado a falar sobre todos os filmes indiscriminadamente, pode se dedicar aos poucos que apresentarem algum interesse artístico. Quanto à crítica de jornal (o nome de crônica talvez ficasse melhor), esta, para existir, terá que aceitar forçosamente o ponto de vista do público, isto é, terá que encarar os filmes que visam divertir apenas sob este ângulo.<br />
<br />
(Decio de Almeida Prado, nos anos 1940 [?])Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-72516749168751494362011-03-07T09:30:00.003-03:002011-03-07T09:30:28.057-03:00hipótese de trabalho<i>A hora da estrela</i> é <i>o </i>livro tropicalista.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-31736192509385471422011-03-05T09:58:00.000-03:002011-03-05T09:58:03.016-03:00La novela moderna nace del distanciamiento de los autores respecto de sus personajes, produciendo una voluntaria e irónica suspensión del juicio moral que fundamenta el oficio mismo del escritor.<br />
<br />
(http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-160535-2011-01-16.html)Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-9449342389756229702011-02-20T15:14:00.000-03:002011-02-20T15:14:57.098-03:00crítica literáriaque o trabalho do crítico é educar o público<br />
e o do artista, educar o crítico<br />
<br />
o pound bate muito nessa tecla da educação<br />
que, me parece, já vem de muito antes<br />
cícero? santo agostinho? eu ando perdendo toda a erudição<br />
não sei mais citar ninguém<br />
é uma aposta num modo de pensar<br />
fichas na mesa<br />
<br />
comecei este blogue pra tentar escrever crítica literária fora dos moldes acadêmicos e jornalísticos. e mais próximo do modo como eu lia quando era adolescente. uma crítica mais impressionista do que profissional. "profissional" quase sempre significa rabo preso, e é isso que eu não queria. nem o rabo preso das relações pessoais, nem o rabo preso das correntes teóricas. uma crítica com o lirismo dos bêbados.<br />
<br />
acho que nunca fiz uma autoavaliação do blogue. sempre que tentei, entrei num tom muito pomposo. fiquei tão refestelado em mim que falei "bleh não quero mais" e larguei isso aqui. agora tou pensando se tem de ser realmente assim.<br />
<br />
verdade que conheci muita gente legal por causa deste blogue. disso não posso reclamar mesmo.<br />
<br />
talvez o caminho seja - acho que foi sempre nessas circunstâncias em que me saí melhor - não encerrar nada. deixar o respiro ficar só respirando. e depois não ficar achando que fiz pouco.<br />
<br />
é difícil, porque tem que lembrar o tempo todo que o que eu quero é isso, e não outra coisa.<br />
<br />
nenhuma coerência. nenhuma reverência. não quero saber da crítica que não é libertação. as bichas dizem "meu cu!"<br />
<br />
o monumento não tem porta.Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-48896414700986406762011-01-15T10:12:00.000-02:002011-01-15T10:12:50.322-02:00a pena da galhofa, a tinta da melancoliaé a receita da aparente cordialidade<br />
<br />
*<br />
<br />
legado de Clarice e Machado: rir das crueldades. Ser cruel, afinal o mundo é cruel, denunciar a crueldade do mundo com a crueldade de si, e rir.<br />
<br />
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<br />
da perspectiva da morte, tudo adquire importância máxima e mínima. "Por quê?", eu me pergunto. "Se vou morrer", respondo triste. "Se vou morrer", malicio, sorriso.<br />
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"O homem é o único animal que ri, e é rindo que ele mostra o animal que é", Millôr Fernandes<br />
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Helene Cisoux faz a teoria do riso da medusa? De que a característica feminina é o riso que petrifica. Algo assim. Mona Lisa?<br />
<br />
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Hilda Hilst também vai nessa. Provoca na gente um riso de gente que se descobre morta. E define Deus: "uma superfície de gelo ancorada no riso" - polpa galhofuda para uma casca cortante. E em outro verso: "mora na morte quem procura Deus na austeridade". A única afirmação possível da vida no niilismo radical: rir pra não chorar. Se nada, nada, nada, ó se nada existe ou vale, se você lembra da morte e a morte te abraça / melhor mesmo é dar risada.<br />
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A festa dos mortos mexicana.<br />
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Outro que tem o humor bem característico é o Drummond. Uma vez eu ri quando o professor leu "e como ficou chato ser moderno, agora serei eterno" e o professor ficou um pouco bravo, falou "sim, é engraçado, mas é sério". Drummond devia ser um tipo muito divertido. O humor dele é mais leve que o dos outros, os trocadalhos: "O amor bate na porta, o amor bate na aorta / fui abrir e me constipei". Ou a piada de firma mais metafísica da língua portuguesa<br />
<br />
<i>Mundo mundo vasto mundo,<br />
se eu me chamasse Raimundo</i><br />
<br />
Drummond entendeu melhor que "mora na morte quem...". Seu humor é bobo e fácil, sem-gracinha e sem crueldade. Especialmente nos primeiros livros. E aparece sempre como um descanso para o insuportável da vida. A vida é insuportável, mas, se não temos solução, temos rima.<br />
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pensando, agora, dei de admirar o humor do Drummond. Sem escárnio. Pela tradição, o escárnio é dirigido a pessoas baixas, o riso é provocado pelos inferiores. Recurso comum na sátira é inferiorizar os superiores, mas, que eu me lembre, isso se faz atribuindo a eles características dos inferiores. Nas de Gregório de Matos, você ri do prefeito comparando-o a um negro. No fim das contas, a gente está sempre rindo de negros. Esse procedimento é especialmente usado pela Hilda Hilst, que é uma moralista, mas também aparece em Clarice e Machado. Drummond, por outro lado, que eu me lembre, só ri dos jogos das palavras. Uma opção estética e política que me parece eticamente melhor. Embora o homem seja o lobo do homem e a crueldade o único direito humano universalmente reconhecido, independente das culturas.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-52945191157906883172010-09-01T00:01:00.000-03:002010-09-01T00:01:32.833-03:00De viagemo livro é portátil.<br />
<br />
nem todos. alguns são troções imensos, pesam nas costas.<br />
<br />
Estava lendo <i>O lobo da estepe</i>, mas acabei de desistir dele: é muito chato, pesadão, o objeto leve não compensa. É a história de um homem que fica sendo melhor do que os outros, mas só na cabeça dele. É a história de todo o intelectualismo burguês, e eu lá quero saber?!<br />
<br />
Agora saio de viagem e preciso decidir: então o quê? Preciso do livro pelo menos pra chegar lá aonde eu vou. Lá eu pretendo encontrar outro, um melhor, o maior.<br />
<br />
a gente sempre espera encontrar Fernando Pessoa.<br />
<br />
Vou viajar pra outra língua, e quero muito levar a minha, que nem um chocolate na bolsa, uma delícia minha.Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-68137172126129370872010-08-19T10:09:00.001-03:002010-08-19T10:10:42.467-03:00O amor nos tempos do cólera<div style="text-align: justify;">Dizer "amor" tantas vezes que o amor se dissolva (não que ele suma).</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As narrativas possíveis do amor. O amor é um <i>topos</i> (um lugar-comum) literário. O amor burguês.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O amor romanceado é o amor burguês. Do romance nasce o melodrama e a telenovela, filha direta do folhetim. <i>O amor nos tempos do cólera</i> é o grande catálogo das narrativas de amor, namoros proibidos desfeitos num desinteresse súbito casamentos de toda vida suicídios putaria fetichista até o amor distraído, que só percebe depois que chega, está tudo lá. O que Barthes fez (em <i>Fragmentos de um discurso amoroso</i>), García Márquez fez bem feito. O livro do francês destrincha o amor, seu dicionário enciclopédico de elucubrações conceituais, como faz <a href="http://quaseresenha.blogspot.com/2009/07/meu-coracao-galinha-de-leao.html">Sophie Calle</a> - esta em forma de galeria, não de livro. Já García Márquez usa a própria argila do conceito, sua história, seu prazer.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os tempos do cólera. A história se passa na virada do século XIX para o XX. Foi publicada em 1985. Como referência epidêmica, a aids. Não que García Márquez cite isso em algum momento, ou dê a entender, e talvez nem fosse sua intenção permitir essa associação. Inclusive:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">uma crítica que se proponha anti-heteronormativa deve atentar - se não priorizar - o fato de <i>O amor nos tempos do cólera</i> ser o grande catálogo do amor <i>heterossexual</i>. Aliás, essa é uma chave de leitura que eu não tinha tido ainda: pois a história de García Márquez desfila uma série de relações que, apesar de variadas, jamais subvertem hierarquias de gênero, raça e classe, para falar dos três pilares clássicos dos discursos de minoria. Portanto, são histórias que reafirmam um determinado modelo de relação, que pode muito bem ser autoritário do ponto de vista de quem está fora da ou submetido à relação. Isso faz da minha leitura, que foi substancialmente de prazer, uma leitura alienada?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A leitura é um ato político. Uma leitura não alienada é aquela que tem consciência disso.</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-48242128885183550022010-08-16T21:04:00.001-03:002010-08-16T21:06:13.364-03:00gosto<b>Eu só acredito em um Deus que saiba como dançar.</b><br />
<br />
*<br />
<br />
(o título do post ia ser "critério", mas então eu pensei: que critério é posterior. Ou, quando anterior, ele impede o ritmo novo.)<br />
<br />
Elx vem dançando na sua direção. É pegar ou largar. Livros são assim.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-84172808467623673802010-08-04T13:40:00.000-03:002010-08-04T13:40:13.723-03:00poesiahilda hilst, em determinado momento, citando bataille:<br />
<br />
"Sinto-me livre para fracassar."<br />
<br />
se o sucesso é a ordem das coisas, a palavra sequestrada.<br />
<br />
a boa poesia é aquela que mina por dentro a tradição da boa poesia.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-32118763686579851792010-08-02T15:35:00.000-03:002010-08-02T15:35:14.332-03:00a estante essencialamarro os livros em cordas<br />
<br />
feito uma fila de elefantes indianos, infinita<br />
<br />
conheci uma estante que não tem nada além do essencial. a dona, que é uma pessoa iluminada, me disse: aqui cada um tem sua história. dedicatórias, um pouco de tudo, os títulos sem acúmulo.<br />
<br />
quero ter uma estante assim.<br />
<br />
agora penso: que as prateleiras rompem em enxurrada, natureza wins e a represa em quedas-d'água iguaçu se torna.<br />
<br />
os livros inundam a sala, barulho, tsunami tomam o mundo<br />
<br />
sem copo.<br />
<br />
pra minha próxima vida quero levar isso.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-40176880999616059242010-05-07T00:59:00.000-03:002010-05-07T00:59:11.723-03:00Tropeçavas nos astros desastradaAgora, toda quarta-feira eu escrevo na <a href="http://saturnalia.com.br/category/biblioteca-do-mundo/"><strong>Biblioteca do Mundo</strong></a> do <strong><a href="http://saturnalia.com.br/">Saturnália</a></strong>, um site de astrologia lá de Curitiba. Não faço previsões nem amarração do amor, a não ser que o amor se amarre nesse meu jeito de corpo. É uma coluna fixa sobre literatura, mais ou menos nos moldes do que eu escrevo aqui, mas - até agora - com menos pretensão teórica.<br />
<br />
Dizem que quando o Guimarães Rosa morreu, e ele lia até Platão no original, esperavam uma biblioteca eruditissíssima na casa dele. Mas nas prateleiras vazias só havia um manual de astrologia.<br />
<br />
Que era um saber erudito antes de virar revista barata em banca de jornal. Faz sentido. Imagine quem seria capaz de ler os textos clássicos, ao menos os renascentistas, tanto latim pra pouca gente. As estrelas falam de nós, mas não nos compreendem. Astrologia é um trabalho de tradução e um saber sobre o tempo. Gosto muito de uns versos simples da Orides Fontela: "tudo / se move". É o final de um poema.<br />
<br />
E tem o final lindo do Inferno de Dante. Quando ele e Virgílio passam por Lúcifer, que é o mais fundo do inferno, o ralo. E do lado de baixo do Diabo aparecem aos pés da montanha do Purgatório: "E quindi uscimmo a riveder le stelle". E então saímos, a rever as estrelas.<br />
<br />
*<br />
<br />
Ligando os estudos astrológicos aos literários, vejo dois caminhos principais. Me parece que o estudo dos arquétipos seja o mais óbvio. Bachelard diz que o arquétipo é um convite à ação - e não uma imagem estagnada, como a gente também pode pensar. Como "convite à ação", Vênus é um movimento, um ritmo, mais do que um conceito. Sendo assim, a estrela Vésper da obra de Manuel Bandeira poderia ser um lumiar para a leitura de seus poemas.<br />
<br />
(Não entendo isso, mas é o que tem pra hoje.)<br />
<br />
O outro caminho seria o de unir o tempo astrológico ao da historiografia literária, percebendo as convergências (e os hiatos?) entre algumas obras e movimentos artísticos e os movimentos dos astros. A astrologia como marcação temporal da história.<br />
<br />
*<br />
<br />
Minha intenção não é trilhar nada disso. Agora agorinha mesmo nem intenção tenho. Às quartas-feiras estou aprendendo muito. A coluna se chama <a href="http://saturnalia.com.br/category/biblioteca-do-mundo/prateleira-mercurio/"><strong>Prateleira Mercúrio</strong></a>.<br />
<br />
<object height="385" width="480"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/7vV22LRNrpk&hl=pt_BR&fs=1&"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/7vV22LRNrpk&hl=pt_BR&fs=1&" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="480" height="385"></embed></object>Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-49969365223348517572010-03-22T09:59:00.003-03:002010-03-22T10:15:35.233-03:00Húmus (sobre Problemas de Gênero, de Judith Butler)<div style="text-align: right;"><em>o ponto de partida crítico é o presente histórico</em></div><br />
<strong>1.</strong><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">O movimento feminista luta pela igualdade política entre homens e mulheres, partindo do pressuposto que às mulheres é relegado um papel secundário e subalterno no cotidiano. Em <em>A dominação masculina</em>, Pierre Bourdieu observa que o próprio corpo feminino é montado para conferir à mulher fragilidade e fraqueza: o salto ato, a bolsa a tiracolo, os brincos, a saia são elementos que limitam os movimentos da mulher, dificultando seus gestos, tolhendo-os e deixando-a disponível para o uso do homem. Para serem menos vulneráveis, os soldados raspam o cabelo, assim o inimigo tem um lugar a menos para prendê-los. Incapazes de correr e cheias de penduricalhos, as mulheres têm menos chance de resistir ao inimigo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>2.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Numa estrutura heteronormativa de pensamento, a dualidade "homem X mulher" é bélica, autocomplementar e absoluta. Nada existe fora dela, portanto também os conflitos se dão dentro dela. No movimento LGBT, é comum classificar a homofobia como uma forma específica de machismo: o gay não sofre violência por ser homem, mas por se associar simbolicamente à mulher; da mesma forma, a lésbica sofre violência por recusar seu papel de mulher submetida ao desejo do homem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mais do que revelar as razões da violência, esse tipo de explicação revela, quando analisamos seus pressupostos, que mesmo nas chamadas relações homoeróticas, entre pessoas do <em>mesmo</em> sexo, o binarismo "homem X mulher" é a medida de todas as réguas, o limite de ação e de pensamento de qualquer pessoa, independente da sua condição e do seu lugar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>3.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Judith Butler defende que esse binarismo é uma ficção totalizadora, na qual as relações de poder se dão e tendem a se manter. Assim, ao lutar pelos "direitos das mulheres", o feminismo parte do mesmo paradigma imperialista e excludente no qual se baseia a dominação masculina, ou seja, a divisão das pessoas em categorias "homem" e "mulher" e, nessas categorias, a divisão de poder e a instituição da hierarquia violenta. "Homem" e "mulher", argumenta Butler, são <em>estilos</em>, não identidades. <em>Ser homem</em> é ser um performer de práticas repetidas identificadas ao masculino, a tal ponto que se mantém, bruxuleante, uma constância de corpo que é socialmente apreendida como uma essência "homem". A masculinidade, então, <a href="http://naminhacanja.blogspot.com/2007/02/pois-masculinidade-no-um-dado-mas-um.html">não é um dado, mas um projeto</a>. A tarefa que Butler propõe ao feminismo é</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><blockquote><div style="text-align: justify;"><em>situar as estratégias de repetição subversiva facultadas por essas construções </em>[de gênero]<em>, afirmar as possibilidades locais de intervenção pela participação precisamente nas práticas de repetição que constituem a identidade e, portanto, apresentar a possibilidade imanente de contestá-las.</em></div></blockquote><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Em outras palavras, não se trata de lutar pelos "direitos das mulheres", mas de subverter a própria categoria "mulheres" para, na política, lutar também pelos direitos do que essa categoria não abrange. Se a identidade é um efeito de práticas e discursos, ela não é determinada e/ou determinante da política, mas sim é, ela própria, o lugar da política. Cito a autora mais duas vezes:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><blockquote><div style="text-align: justify;">Meu argumento é que não há necessidade de existir um "agente por trás do ato", mas que o "agente" é diversamente construído no e através do ato.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">as condições que possibilitam a afirmação do "eu" são providas pela estrutura de significação, pelas normas que regulam a invocação legítima ou ilegítma desse pronome, pelas práticas que estabelecem os termos de inteligibilidade pelos quais ele pode circular.</div></blockquote><div style="text-align: justify;"><strong>4.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando eu sofro uma agressão, verbal ou física, por ser socialmente identificado como "gay", essa agressão não é dirigida a mim <em>pessoalmente</em>, embora ela me agrida <em>pessoalmente</em>. A agressão é dirigida ao indíviduo que atua, deliberada ou inadvertidamente, num campo performático-semântico identificado como subalterno. Funciona mais ou menos como o dispositivo visual do Exterminador do Futuro, que numa multidão identifica o objeto que deve ser exterminado.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um homem que bate numa mulher está, ao mesmo tempo, agredindo um indivíduo e agredindo um estilo. Da mesma forma, um homem que bate em outro mais baixo, ou mais afeminado, ou mais gordo, ou negro, ou de qualquer modo marcado com algo que o identifique como alguém que foi feito para apanhar. Isso tem uma dupla face na medida em que pressupõe (pensando na matriz heteronormativa) que o homem foi feito para bater.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esquecendo por um momento as especificidades de gênero que nos trazem a este problema, poderíamos pensar num binarismo mais abrangente, que seria o de "quem bate X quem apanha" dentro de uma relação específica e contingente, que produz uma relação um pouco mais permanente como campo simbólico.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>5.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A questão é que eu quero que o meu direito de não ser agredido seja garantido pelo Estado. Os movimentos sociais de minorias discursivas (como o feminista, o negro e o LGBT) buscam garantir esse direito através de uma prática de institucionalização do discurso. Eu, como indivíduo particular e privado, não tenho direito algum no Estado. É apenas no momento em que eu me coloco como cidadão político (o eu da <em>civitas</em>, o eu da <em>pólis</em>), ou seja, como indivíduo público e comum, constituinte do e tutelado pelo Estado, que posso reivindicar o meu lugar <em>de direito</em> no cotidiano do Estado. Se o que me exclui do meu lugar de cidadão político é uma prática específica de corpo que me torna momentaneamente inelegível (eu, quando identificado como gay, me torno objeto de violência), Butler propõe justamente que <em>essa</em> prática - e, portanto, <em>esse</em> estilo - seja ressignificado, não para que eu adquira direitos como esse estilo, mas para que eu elimine a hierarquia das identidades ao mostrar que o não-gay também é um estilo e apenas um estilo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se tudo acontece no terreno da performance, Butler propõe a política como uma intervenção local, já que a performance e o discurso são o local da realidade. O "fato de uma identidade ser um efeito significa que ela não é nem inevitavelmente determinada nem totalmente artificial e arbitrária", portanto, se não nos é possível viver sem essas práticas discursivas (pois não existe um ser anterior à prática), o que podemos fazer é parodiar o discurso dominante e, assim, viver novas possibilidades discursivas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>6.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O desmanche da <em>coisa pública</em> - que percebemos (ou deixamos de perceber) particularmente no Brasil, com sua política teleológica proveniente do catolicismo português -, associado às políticas neoliberais, parece que faz do indivíduo a últma trincheira da <em>coisa pública</em>.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>7.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas se a política é tradicionalmente associada ao masculino, e se os movimentos sociais se empenham em desapropriar a política desse campo simbólico e distribuir suas terras igualitariamente para todxs, quero saber onde ficam as práticas associadas ao feminino, ao menor, ao subalterno. Está claro (está bastante escuro) que o desejo-necessidade pela "melhoria de vida" está intrinsecamente relacionado com o desejo-necessidade pelos símbolos e lugares onde se alocam aquelxs que têm efetiva e atualmente as "melhores condições". Na independência haitiana, os negros escravizados tomaram o poder político e econômico da elite branca. Em Moçambique, o governo retirou os privilégios dos ex-colonos, igualando-os em direitos à população moçambicana. Nada disso me parece errado.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No entanto, não posso eu, macho forte e dominante, por outro lado também ser mulher?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">.....................................................................................</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><strong>P.S.</strong></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O livro <em>Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade</em>, no Brasil foi publicado terrivelmente pela Ed. Civilização Brasileira em 2003. A edição tem tantos problemas de revisão que chega até a dificultar o entendimento e faz a gente se perguntar (o que pode ser uma coisa boa, afinal desalienante do objeto-livro) se a tradução não está também nos passando a perna.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Uma entrevista legal com a Judith Butler pode ser lida <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2002000100009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt">aqui</a>.</div>Unknownnoreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-44070891101149160052010-02-06T18:06:00.004-02:002010-02-06T18:22:32.451-02:00Faz de conta que todo mundo morreu<div style="text-align: justify;">Uma leitura psicanalítica dos filmes de zumbi? Faz tempo que eu não pego o Freud, mas do que me lembro:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O <b>duplo</b> é um conceito que narra o reconhecimento que temos de um outro que julgamos similar a nós mesmos, mas que, em dado momento, revela-se estranho. Por lógica e analogia, essa esquisitice que reconhecemos no outro que julgávamos ser similar a nós faz com que reconheçamos, em nós, também a esquisitice do outro. Ou a possibilidade de esquisitice, como a que vemos no outro. Logo, não nos reconhecemos mais.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Freud cita um conto em que o personagem vê da sua janela, em outra janela, uma mulher por quem se apaixona. No desenrolar do conto ele acaba descobrindo que a mulher não é uma mulher, mas um autômato, uma boneca-robô criada por um artífice-cientista.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A palavra usada por Freud para esse conceito é <b>unheimlich</b>: o prefixo "<i>un-</i>" é uma espécie de negação e a palavra "<i>heimlich</i>", ao mesmo tempo em que significa "oculto, clandestino", é derivada de "Heim", que significa "lar, casa".</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O morto-vivo costuma aparecer nos filmes como a polpa animal do humano. Fundamentalmente, ele é desprovido de afeto e constituído por fome e esquecimento. A necessidade de devorar pode, ocasionalmente, levar ao desenvolvimento de uma inteligência muito primária, mas às vezes suficiente para devorar seres humanos desesperados que deixam de raciocinar com clareza devido ao medo e ao cansaço. Paradoxalmente, é a própria inumanidade dos zumbis que faz com que eles persistam num caminho em que os humanos coadjuvantes (nunca os protagonistas, como em qualquer filme de terror) acabam falhando. O grande poder do zumbi é a sua persistência.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim como o robô é um duplo inorgânico e o vampiro é um duplo maligno, o zumbi é um duplo exclusivamente corporal. Bruce La Bruce, no filme <b>Otto; or, Up with dead people</b>, leva ao extremo a corporalidade do zumbi ao colocar os mortos-vivos para transar. Nesse pornô macabro, o morto devora os intestinos de um homem e depois mete o pau duro na barriga aberta. Os mortos comem duplamente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">George Romero, por sua vez, faz dos zumbis uma alegoria da sociedade de consumo ao filmá-los lado a lado com manequins de loja de roupa<b>*</b> no filme <b>Madrugada dos mortos</b>. No título original, <b>Dawn of the dead</b>, o tom apocalíptico é mais enfático: "dawn" é a alvorada. O pastor evangélico anuncia a nova era dizendo, talvez uma citação bíblica, que "quando os mortos não tiverem mais espaço no inferno, eles andarão entre os vivos". Na sequência de abertura da refilmagem de <b>Madrugada dos mortos</b>, Johnny Cash canta seu Apocalipse country <b><a href="http://www.youtube.com/watch?v=875R8kHxzrA">"The man comes around"</a></b> e se sucedem imagens de zumbis atacando, mas também de guerras e mesmo de manifestações de massa (como a imagem de uma mesquita cheia, com todas as pessoas se inclinando ao mesmo tempo para rezar). A sequência remete à primeira parte do filme <b>Nossa música</b>, de Godard, em que o espectador é bombardeado por cenas de destruição tanto de filmes de ficção quanto de registros históricos, a ponto de você não saber qual é qual e tudo o que resta é a própria destruição, intransitiva.</div><br />
#<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">(Escrevi isso lendo <b><a href="http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3164,1.shl">esse texto aqui</a></b> e o título é da <b><a href="http://www.youtube.com/watch?v=OUQL8rFOjJg">música dos Homophones</a></b>)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">#</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>*</b> Sylvia Plath escreveu o poema <b>"Os manequins de Munique"</b>, parece que com menções aos campos de concentração nazistas.</div><br />
<br />
<br />
<i>A perfeição é horrível, ela não pode ter filhos.<br />
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero<br />
<br />
Onde os teixos inflam como hidras,<br />
A árvore da vida e a árvore da vida.<br />
<br />
Desprendendo suas luas, mês após mês,<br />
sem nenhum objetivo.<br />
<br />
O jorro de sangue é o jorro do amor,<br />
O sacrifício absoluto.<br />
<br />
Quer dizer: mais nenhum ídolo, só eu<br />
Eu e você.<br />
<br />
Assim, com sua beleza sulfúrica, com seus<br />
sorrisos<br />
<br />
Esses manequins se inclinam esta noite<br />
Em Munique, necrotério entre Roma e Paris,<br />
<br />
Nus e carecas em seus casacos de pele,<br />
Pirulitos de laranja com hastes de prata<br />
<br />
Insuportáveis, sem cérebro.<br />
A neve pinga seus pedaços de escuridão.<br />
<br />
Ninguém por perto. Nos hotéis<br />
Mãos vão abrir portas e deixar<br />
<br />
Sapatos no chão para uma mão de graxa<br />
Onde dedos largos vão entrar amanhã.<br />
<br />
Ah, essas domésticas janelas,<br />
As rendinhas de bebê, as folhas verdes de confeito,<br />
<br />
Os alemães dormindo, espessos, no seu insondável desprezo.<br />
E nos ganchos, os telefones pretos<br />
<br />
Cintilando<br />
Cintilando e digerindo<br />
<br />
A mudez. A neve não tem voz.</i>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-62831102748035067262010-01-25T11:52:00.000-02:002010-01-25T11:52:52.567-02:00Debaixo de água e no ar ao contrário<div style="text-align: justify;">No que a literatura tem de afeto gratuito, feito uma dádiva de ninguém, você andando pela rua passa uma ponte e de repente percebe a belezura de um rio: que é um deslizar de águas. No nosso olhar, elas são só o movimento, sem origem nem destino, e está bem estarem as margens ali, em consonância com as ondas marrons que podiam ser de terra, as margens mesmo que sejam cimentadas, é que a beleza não escolhe ideologia pra pousar.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Naquela entrevista famosa pra TV Cultura, uma parte Clarice Lispector diz que, quando não escreve, está morta. Se existe uma verdade, junto com a Lispector eu escolho esta: é graças à arte que a gente vive.<br />
</div><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBYvFHzWLGJL2CbGgVxkRM0Mq9hniTPcE1R5oHAfnRwHQlOWb9ObJSKNv1H8LS5V2yZPBQsDH9KZ34z7-dsNhEZh40hI-3-RQuYfYvTwCWrNuJ6y98MboMLe8L7KeW_dbTrZj1k0hXL2mU/s1600-h/Klee.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="317" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBYvFHzWLGJL2CbGgVxkRM0Mq9hniTPcE1R5oHAfnRwHQlOWb9ObJSKNv1H8LS5V2yZPBQsDH9KZ34z7-dsNhEZh40hI-3-RQuYfYvTwCWrNuJ6y98MboMLe8L7KeW_dbTrZj1k0hXL2mU/s400/Klee.jpg" width="400" /></a><br />
</div><br />
<div style="text-align: justify;">O que não é nenhuma ideia original - aliás, como nenhuma outra. Um texto muito bonito - "A arte como procedimento", de Chklovski - diz o seguinte:<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><blockquote><div style="text-align: justify;">E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objetos e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção em arte é um fim em si mesmo e deve ser prolongado; <i>a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que é já "passado" não importa para a arte.</i><br />
</div></blockquote><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Essa <i>experiência do devir</i> é a esperança palpável que uma leitura traz quando toca a gente. "Palpável" porque aí não se trata de um ancoramento no futuro, mas sim de um voo firme simultâneo a um pouso leve no presente: o que Gandhi se recusa a chamar de "Verdade" e chama de "experiência com a verdade". Quando lemos um texto que nos faz experienciar a verdade, temos um encontro de matérias (as nossas mãos, o papel do livro) que se transforma num êxtase de sentidos (como quando lemos uma frase e os olhos se desviam do livro, porque o corpo pede). É a vida intensa, concentrada.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nesse sentido, a literatura não pode ser isolada da experiência material e histórica da leitura. Uma biblioteca é um depósito de possibilidades, mas jamais se poderá ditar as palavras em que os outros se satisfarão, de modo que se torna bastante compreensível porque, para muitas pessoas, as aulas de literatura do colégio se tornam um fardo e, posteriormente, uma lembrança ruim e engraçada.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No <i>ABC da Literatura</i>, Pound desenvolve a ideia de que a literatura deve apenas ser ensinada aos que realmente se interessarem por ela. Realmente, quando tomamos a literatura como um conjunto de referências históricas e conceituais (o cânone ou, no caso de Pound, o <i>paideuma</i>), faz sentido que não seja de interesse geral um aprofundamento nos meandros desses referenciais. No livro <i>Como falar dos livros que não lemos</i>, Pierre Bayard advoga que, sendo impossível a qualquer pessoa ler todas as obras canônicas existentes, o que se deve esperar é uma mínima familiaridade com seus títulos e com a importância que atualmente se dá a cada uma delas. Esse pragmatismo do senso histórico pode ser bastante útil para uma sala de aula.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Também porque, assim, talvez seja possível a gente separar a literatura como uma instituição da literatura como experiência estética. Se mencionar Paulo Coelho numa discussão letrada pode entortar muitos narizes, imagino que a "singularização do objeto" sentida com a leitura de <i>O alquimista</i> não deva ser objeto de desqualificação ou repúdio por parte de ninguém que não queira se fortalecer com o rebaixamento alheio.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: center;">***<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Comecei esse texto querendo falar do Caio Fernando Abreu, de como eu gostava dos livros dele quando era adolescente e de como ele salvou minha vida. Sendo que, hoje, já não vejo grande coisa na maior parte dos seus contos. Isso é muito bonito no texto, tanto na escrita quanto na leitura: a novidade se impõe pelo acaso e é mais gostoso se a gente estiver disposta a abraçá-la. Um galho boiando no rio.<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-71386480815520637052010-01-12T14:14:00.001-02:002010-01-12T14:33:08.148-02:00Fracasso livre<div style="text-align: justify;">Na contracapa de <i>Amavisse</i>, editado pela Massao Ohno em 1989, Hilda Hilst publica um poema que é uma espécie de fecho do seu livro, um apêndice de fora / e, por isso mesmo, talvez um reto ou um rabo. Não encontrei o poema nas edições das Obras Reunidas pela Globo, mas lembro da citação que ela faz de Bataille ao final: "Sinto-me livre para fracassar".<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">De modo geral, a poesia de Hilda Hilst nunca teve a brutalidade vulgar de sua prosa. Embora em nenhum momento ela tivesse medo das palavras, inclusive dos barbarismos universais ("Extasiada, fodo contigo / Ao invés de ganir diante do Nada."), é fácil perceber uma mudança significativa de tom entre os textos em verso e os contos e romances da autora.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Todo o trabalho de HH pressupõe e ficcionaliza Deus como um Ser anterior e superior, mas ao mesmo tempo imediato e corpóreo pela Sua crueldade inerente. Se Deus é criador de todas as coisas e se toda a vida provém de Deus, e se "É crua e dura a vida", Deus então é uma criança malvada e esquiva que nos inventa a chafurdar, que aperta a campainha e sai correndo.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">"Um arco-íris de ar em águas profundas."<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O "sinto-me livre para fracassar" de certa forma anuncia (no sentido de que <i>noticia</i>) o abandono da dicção sublime para mergulhar nas lamas profundas do sexo, o charco da literatura que é a pornografia. Após <i>Amavisse</i>, HH publicou sua então polêmica trilogia pornográfica, composta por <i>O caderno rosa de Lori Lamby</i>, <i>Contos d'escárnio. Textos grotescos</i> e <i>Cartas de um sedutor</i>, acrecida de um quarto volume, o único em verso, os contos de fada satíricos de <i>Bufólicas</i>.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">*<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Hilda Hilst e Clarice Lispector têm muitas semelhanças de trajetória. Gosto disso. E Clarice Lispector publicou, também já com uma <i>carreira consagrada</i>, <i>A via crucis do corpo</i>.<br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><blockquote>Quando cheguei em casa uma pessoa me telefonou para dizer-me: pense bem antes de escrever um livro pornográfico, pense se isto vai acrescentar alguma coisa à sua obra. Respondi:<br />
<br />
- Já pedi licença a meu filho, disse-lhe que não lesse meu livro. Eu lhe contei um pouco as histórias que havia escrito. Ele ouviu e disse: está bem. Contei-lhe que meu primeiro conto se chamava "Miss Algrave". Ele disse: "grave" é túmulo. Então lhe contei do telefonema da moça chorando que o pai morrera. Meu filho disse como consolo: ele viveu muito. Eu disse: viveu bem.<br />
<br />
Mas a pessoa que me telefonou zangou-se, eu me zanguei, ela desligou o telefone, eu liguei de novo, ela não quis falar e desligou de novo.<br />
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Se este livro for publicado com <i>mala suerte</i> estou perdida. Mas a gente está perdida de qualquer jeito. Não há escapatória.<br />
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<div style="text-align: justify;"><i>A via crucis do corpo</i>, que num primeiro momento se apresenta como um livro de contos, vai aos poucos tomando forma de um diário desleixado, às vezes de um caderno de anotações e, por que não?, de um blogue. Pois é uma intimidade que se expõe nos seus métodos e também nos seus afazeres mais banais. "Ah, já sei o que vou fazer: vou mudar de roupa. Depois eu como, e depois volto à máquina. Até já. / Já comi. Estava ótimo. (...)". Como em <i>A hora da estrela</i>, n'<i>A via crucis do corpo</i> Lispector simultaneamente marmoriza e dinamita a si mesma enquanto Autora, Escritora, Celebridade. Assim como os últimos trabalhos de Hilda Hilst, os últimos livros de Lispector escrevem não apenas as histórias que contam, mas também as das pessoas que as contam.<br />
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</div><div style="text-align: justify;"><blockquote>Uma vez fui a Campos de táxi-aéreo e fiz uma conferência na Universidade de lá. Antes me mostraram livros meus traduzidos para braille. Fiquei sem jeito. E na audiência havia cegos. Fiquei nervosa. Depois havia um jantar em minha homenagem. Mas não agüentei, pedi licença e fui dormir. De manhã me deram um doce chamado chuvisco, que é feito de ovos e açúcar. Comemos em casa chuvisco durante vários dias. Gosto de receber presente.<br />
</blockquote></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Surge assim que o dispositivo "Literatura", usado para justificar os livros, é esvaziado de significado. "Pois é. Sei lá se este livro vai acrescentar alguma coisa à minha obra. Minha obra que se dane. Não sei por que as pessoas dão tanta importância à literatura. E quanto ao meu nome? que se dane, tenho mais em que pensar. / Penso por exemplo na amiga que teve um quisto no seio direito (...)".<br />
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</div><div style="text-align: justify;">*<br />
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</div><div style="text-align: justify;">A coisa do blogue que eu disse lá em cima. Escrever um blogue hoje é uma coisa muito besta. Tem até aquela antologia digital da Heloísa Buarque de Holanda. Que eu nem li, então nem sei se é besta. Mas blogues são bestas no sentido de que a coisa já está dada e você só precisa brincar com ela. Admira mesmo é uma dicção tão semelhante à mais banal de hoje ter sido usada em 1974. Ou mesmo mais tarde, pela Ana Cristina Cesar. Aí eu já acho que é profetismo. E antena da raça. Mas só estou escrevendo isso pra relativizar e pra situar bem os termos. Porque não quero ser mal interpretado.<br />
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</div><div style="text-align: justify;">*<br />
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</div><div style="text-align: justify;">Fim.<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1559386045970361109.post-88076774078728876452010-01-03T20:47:00.003-02:002010-01-03T20:54:11.843-02:00Romances<div style="text-align: justify;">Mas só à base de romances nenhum espírito consegue evoluir. O prazer que tal leitura pode oferecer não compensa o desgaste do caráter. Com os romances aprendemos a nos meter nos sentimentos de toda espécie de gente. Facilmente, convertemo-nos nos personagens que nos agradam. Todo e qualquer comportamento passa a ser compreensível. Docilmente, entregamo-nos a propósitos alheios, e assim perdemos de vista, por muito tempo, os nossos próprios. Romances são cunhas que o autor - um comediante que escreve - faz penetrar na personalidade de seus leitores. Quanto mais exatos seus cálculos sobre o tamanho da cunha e a capacidade de resistência, maior a fenda na personalidade.<br />
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</div><div style="text-align: justify;">(Elias Canetti, <i>Auto-de-fé</i>)<br />
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</div><div style="text-align: justify;">*<br />
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</div><div style="text-align: justify;">(o personagem que pensa isso é um moralista. Mal da citação, que tira de contexto e transforma um lampejo num axioma. Uma meia-mentira numa verdade completa. A última frase desse parágrafo é "Os romances deveriam ser proibidos pelo Estado", que, se literariamente não tem nada de genial, tirada da situação desse romance se transforma num desses pedantismos reacionários disfarçados de performance. Ficção, fora da ficção. A gente deveria parar de citar e dizer só o que se diz. A citação é um esconderijo. A não ser quando ela é um raio.)<br />
</div>Unknownnoreply@blogger.com1