quarta-feira, 26 de novembro de 2008

velhice

De que servem os jogos e as alegrias, se eu sou a morada da futura velhice?





A velhice é um dos três estados humanos que despertam a busca do Buda. Refugiado de seu carma no palácio do pai, o príncipe Sidarta escapa um dia aos gozos e se depara, nos arredores miseráveis, com as visões inéditas de um homem doente, um homem velho, um homem morto. E então - com um homem asceta.

A velhice é um modo de miséria. Minha avó repete intransitiva há pelo menos quinze anos: como é ruim ficar velha. Minha outra avó, quando lhe pergunto "como está", ela quase sempre responde: cada vez mais velha.

Chegam juntos o enfraquecimento do corpo e a marginalização da qual poucos escapam. Não há homem branco e bonito que, quando velho, não se torne apenas um velho. A Simone de Beauvoir, ecoada no Brasil pela Ecléa Bosi, diz que a velhice é o momento da vida burguesa em que se evidencia que o ser humano nunca teve valor enquanto tal, mas apenas como força-trabalho.

O trágico na velhice não é a descartabilidade do humano - à qual está submetida, afinal de contas, a maior parte das pessoas do planeta, assim como o próprio planeta e tudo aquilo que não é reconhecido como discurso -, mas a coisificação do protagonista, aquele que um dia teve voz e poder e que, velho, se torna ridículo, débil.

Meu avô um dia, vendo televisão, um comercial em que o vovô era o centro da piada. E ele pra mim criança: "Tá vendo, Marcos: velho é assim".

Na faculdade, durante dois ou três anos, eu foquei as minha atenções no estudo da velhice, de suas representações em alguns textos teóricos (Bosi, Benjamin), mas principalmente na ficção da Hilda Hilst. Nos livros dela eu li mais o abandono dos meus avós.

Só que na ficção de HH, as velhas e os velhos também tristes e sozinhos são punhais pulsantes esguichando sangue e asco, cuspindo nos passantes, luxuriosa sabedoria e corpo aceso.

O Roberto Piva cita Salvador Dali para dizer-se favorável ao regime monárquico: "A monarquia é o sistema político que, pela absoluta centralidade do poder, permite à anarquia nas classes mais baixas". Pois quem não é visto não pode ser punido.

Hoje, no Brasil, proliferam os discursos sobre a velhice. (É melhor calar?). A população brasileira envelhece cada vez mais e os velhos e as velhas, tornados problema de saúde pública, entram cada vez mais nas luzes dos governantes e dos acadêmicos, nós empenhados em cercar a vida.

Nas crônicas que escrevia para o Correio Popular de Campinas (começo dos anos 90), Hilda Hilst propõe a criação do Esquadrão Geriátrico de Extermínio:

Arregimentaríamos várias senhoras da terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalas em ponta, uma ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas, e assim ninguém nos notaria, como ninguém nota a velhice. Nossas vidas ficariam dilatadas de significado, ó que beleza espetar bundões assassinos, nós faceiras matadoras de monstros!


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O Rubem Fonseca tem um conto muito bonito de velhos. Está no livro O cobrador, que é todo propaganda pra que os lascados peguem armas (o livro é de 1979, os militares estavam chafurdando o caminho pra fora). Um asilo campo de concentração e um grupo de velhos parte para o ataque.

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A Júlia me mandou um link pra esse vídeo. Eu também achei bonito, Júlia, e primeiro até sorri. Talvez seja porque a minha reação mais comum é ficar triste. Li outro dia no Yahoo!Notícias que em dois-mil-e-daqui-a-pouco o Brasil terá 40% da população idosa da América Latina. Você sabia?



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