terça-feira, 26 de março de 2019

foda-se o legado

o nosso modo de vida é baseado na herança, e olha no que deu.

a lata de coca-cola que eu tomo concentra a alegria da destruição perene, não biodegradável, que resume o ocidente.

os dinossauros, muito mais bem-sucedidos que a gente em termos cronológicos, conspiraram: não vamos deixar nada pro futuro, nenhuma invenção duradoura, quem vier terá que sujar as mãos e quebrar a cabeça pra achar nos poucos ossos que restarem algum indício da nossa civilização.

o desmatamento tem revelado na amazônia antimonumentos de sociedades que morreram e que não deixaram selfies nem testamentos, e sim uma floresta plantada pelo anonimato.

se a gente ainda tiver alguma chance, ela está na abdicação de todas as vontades de legado. o tempo é que vai dizer qual sobrevida vale a pena. se deixar morrer é o único jeito de continuar vivo

quinta-feira, 19 de março de 2015

Gerontofilia, do Bruce La Bruce

É legal quando um diretor mal educado faz um filme mainstream, ou quase. A concepção clichê de mainstream aparece nos cortes, nos quadros, na trilha, mas sempre meio torta, escorregando.

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O jeito mais subversivo de mostrar uma cena de amor entre um menino de 18 anos e um velho de 82 é mesmo do jeito mais convencional possível: música melosa, closes de toques apaixonados, beijos quase castos. O contraste das peles faz todo o resto do trabalho. E, ao mesmo tempo, é só uma cena de sexo não explícito. O filme olha aquilo como se fosse qualquer coisa. E deixa, pra gente, lidar com o nosso próprio estranhamento.

velhice e erotismo

A mesma operação discursiva que Foucault diagnostica na História da sexualidade (não há repressão sexual, mas proliferação de discursos sobre o sexo, e isso acaba por fazer dele um imperativo circunscrito e controlado) pode ser atribuída à velhice, em contraposição ao diagnóstico de Simone de Beauvoir ("há uma conspiração do silêncio")?


romance americano

Se o romance do século 19 serviu à formação do Brasil como Estado, os do século 20 terão servido ao seu derruimento?

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Lucíola, de José de Alencar

Lido dez anos depois, sem a obrigação escolar, o que eu não tinha percebido ou não lembrava: é gostoso de ler.

Gostoso = sem encontrões. A leitura é fluida, monótona.

O único incômodo é o de encontrar uma realidade tão absurda, o Rio de Janeiro do século 19, sem sunga, sem violência urbana, até sem escravidão. Homens e mulheres elegantes entretidos em suas próprias relações monogâmicas, heterossexuais, em que tudo se deve a si mesmo, à pessoa ao lado, à sociedade e a Deus sobre todas as coisas. Esse conforto instalado no absurdo me faz ter a impressão de estar lendo um romance surrealista, e isso me diverte.

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A palavra prostituta não é dita. Puta muito menos. Lúcia é cortesã.

Gabriela Leite em discurso na Câmara Municipal do Rio de Janeiro:  "Puta, para as pessoas, é nada, não chega nem a ser mulher. Eu gosto muito da palavra puta, porque eu quero que um dia essa palavra se torne uma palavra bonita. Porque você não faz movimento nenhum se escondendo debaixo da mesa".

A cortesã de Alencar é diferente da puta de Gabriela. Lúcia é narrada na terceira pessoa. Gabriela é uma puta que fala.


domingo, 23 de setembro de 2012

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domingo, 29 de abril de 2012

blogue fóssil
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