sábado, 27 de junho de 2009

de mudança


ponho os livros em caixas, numero-as e faço listas, vão se empilhando bíblias poemas putarias e a única ordem é caber. fisicamente nas caixas.

depois dos livros, essa vida, encaixotar todo o resto parece desnecessário, vulgar e complicado. tudo fica muito difícil ou muito fácil, uma bagunça.

eu sempre tive a mania de nunca sair de casa sem pelo menos três livros na mochila. libriano precisa de opção. um de poesia, um de ficção, um de ensaio. mas o único que ficou fora das caixas é o que já estava na mochila, faz tempo que eu leio

a autobiografia de alice b. toklas
da gertrude stein

que é um texto absolutamente moderno. pedante, sem graça, uma delícia. nada que eu queira deixar para o mundo - então nem vou escrever sobre ele.

*

digo é que acabei de escrever um posfácio para um livro que é um arraso e que fiquei muito feliz com o meu primeiro trabalho encomendado como crítico. gostoso mesmo é amar, texto só vale se for gesto. this is my letter to the world, essa história. muitos outros virão, filharada.



a imagem do quarto é daqui. quanto ao caracol

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ame-o e deixe-o

esse texto é só para mostrar isso / / / ainda lendo o maiakovski teórico da poesia

Não basta alargar as fileiras em marcha. É necessário fazê-lo seguindo todas as regras do combate de rua, é necessário que o telégrafo, os bancos, os arsenais, passem para as mãos dos operários sublevados.

Nós que nos pensamos anacrônicos / sem ancestralidade / sendo a política também anacrônica e tudo o mais que não estiver presentificado pelos juros / que arte para o nosso tédio alegre?


~


a possibilidade da melancolia / . A Farmácia está voltada à pesquisa de um antidepressivo simultaneamente analgésico, faz uns anos eu ouvi. Serão admitidos sorrisos em documentos oficiais / nós inventamos a bipolaridade emocional.

A melancolia como descontentamento contemplativo.

(Que é o amor, não é?)

Qual alegria arrancar?

Um dos bons momentos de Ana C., em que ela não anula -

MOCIDADE INDEPENDENTE

Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem medir mais as consequências. Por que recusamos ser proféticas? E que dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra cima: é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma graça atravessando o Estado de São Paulo, de madrugada, por você, e furiosa: é agora, nesta contramão.

- caminhando contra o vento / eu vou eu vou / na bateria da escola de samba mordida na ferocidade humana.


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A melancolia não tem dentes. Esquenta bastante a batata e deixa de comê-la, de modo que os dentes se atrofiam. E ela endurece mole, quem quer que sopre a vê voar mas ela nunca se aliena de si. Como o Michael K do romance do Coetzee: a África do Sul em guerra deslocamentos civis ele vai montanhas comer mosquito e terra. Porque quer. (Querer, aí, é um desejo seco).

A alegria furiosa não tem nada a ver com a dos anúncios publicitários porque ela é / rasgada / pessoal. Uma que também não se aliena de si.

Pra essas duas o Outro nunca é uma questão. Tanto a alegria quanto a melancolia (políticas, coração) são materiais. Presença de corpo. o Outro só é uma questão pro arquétipo abstraído. Essas duas são arquétipos materializados. (Para a melancolia no entanto o Outro costuma ser uma dor, quando contemplação dói).


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Há que, portanto, materializar essa presença / a arte. Uma presença de corpo pra ter xs outrxs presentes. O artesanato das relações.


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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Pra você, hipócrita

1.

Maiakóvski sabia que Klébnikov não era pra todo mundo. E escreveu mais precisamente:
Se um livro se destina apenas a uns tantos e para seu exclusivo consumo e se, além disso, não tem qualquer outra finalidade, é sem dúvida alguma inútil. (...)

Mas se um livro se dirige a alguns - da mesma maneira que a energia do Volkstoi se transmite a umas tantas subestações que distribuem depois a energia transformada na corrente elétrica - é sem dúvida alguma útil.

Livros destes dirigem-se, na verdade, a um número reduzido de produtores, não de consumidores.

(do texto "Os operários e os camponeses não vos compreendem")

Klébnikov, força dinamitante da palavra, não é para o leitor que não esteja interessado em construir com os escombros e entulhos dessa explosão. Porque quem vê a explosão sem o exercício da historicidade estará de mãos vazias. E é inadimissível uma leitura alienada da experiência artífice.

Para Maiakóvski (que era poeta de Estado, e não para o Estado. Um poeta pelo Estado - porque o Estado são todos) o leitor não é um concorrente, não é o filho-da-puta que é para todo o resto da tradição moderna. Não tem hipocrisia: o leitor é camarada de barricada e fruição.


2.

Mesmo os escritores mais generosos são amargos para se dirigirem ao seu público. A hora da estrela (paradigma) está cheio de alfinetadas de raiva - "(Há os que têm. E há os que não têm. É muito simples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não tinha. Se der para me entenderem, está bem. Se não, também está bem.".


3.

Alguém me ajuda a pensar, por favor!


4.

Estou lendo o livro A literatura em perigo /// lucidez. A começar pelo final da quarta capa, que é o cartão-de-visita do livro.
Uma concepção estreita da literatura, que a desliga do mundo no qual ela vive, impôs-se no ensino, na crítica e mesmo em muitos escritores. O leitor, por sua vez, procura nos livros o que possa dar sentido à existência. E é ele quem tem razão.
Os grifos são meus. É que quando eu comecei a escrever este texto eu estava pensando num argumento de fundo que seria, mais ou menos, a sensação de termos hoje muitos escritores querendo dinamitar tudo e poucos querendo construir. Tem mais escombros que cidades. (Caetano Veloso canta: Everybody knows that our cities were built to be destroyed). Mas temos que contruir cidades.

Tem que morar.

Pode ser o operante no capitalismo contemporâneo. A ênfase no consumo joga a produção para debaixo do tapete. A produção não deixa de existir, mas ela se reduz ao escasso e está cercada de tanto autoritarismo explícito que é bem pouco charmoso você querer produzir.


5.

Pasolini defendia aos berros que a chamada "democratização da escola" era na verdade despida de bondades, destinada à padronização dos modos de vida, e o triunfo fascista aos sorrisos, vitoriosa naquilo que os fascistas carrancudos fracassaram.

Todorov, no livro acima citado, pode reforçar esse argumento ao dizer que "a concepção redutora da literatura não se manifesta apenas nas salas de aula ou nos cursos universitários; ela também está representada de forma abundante entre os jornalistas que resenham livros, e mesmo entre os próprios escritores. Devemos nos espantar? Todos esses passaram pela escola. (...) Numerosas obras contemporâneas ilustram essa concepção da literatura; elas cultivam a construção engenhosa, os processos mecânicos de engendramento do texto, as simetrias, os ecos e os pequenos sinais cúmplices".

O que resta é. O que resta?

MASSACRE

Eram mil a atacar
o só objeto
indefensável
e pá e pé e ui
e vupt e rrr
e o riso passarola no ar
grasnando
e mil a espiar
os alfabetos purpúreos
desatando-se
sem rota
e llmn e nss e yn
eram mil a sentir
que a vida refugia
do ato de viver
e agora circulava
sobre toda ruína


(Drummond)

6.


o príncipe

Sonhei com alguém pra me proteger
ele cortava o mato de uma clareira
e eu a cada dia mais perto das ervas rasteiras.

Ao topo de toda a minha época herói de mim mesmo revigoro:
acredito que existam intimidade, calor e frio,
o estômago é o novo coração e o coração é o novo leão.


(Júlia de Carvalho Hansen)
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