sábado, 15 de janeiro de 2011

a pena da galhofa, a tinta da melancolia

é a receita da aparente cordialidade

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legado de Clarice e Machado: rir das crueldades. Ser cruel, afinal o mundo é cruel, denunciar a crueldade do mundo com a crueldade de si, e rir.

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da perspectiva da morte, tudo adquire importância máxima e mínima. "Por quê?", eu me pergunto. "Se vou morrer", respondo triste. "Se vou morrer", malicio, sorriso.

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"O homem é o único animal que ri, e é rindo que ele mostra o animal que é", Millôr Fernandes

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Helene Cisoux faz a teoria do riso da medusa? De que a característica feminina é o riso que petrifica. Algo assim. Mona Lisa?

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Hilda Hilst também vai nessa. Provoca na gente um riso de gente que se descobre morta. E define Deus: "uma superfície de gelo ancorada no riso" - polpa galhofuda para uma casca cortante. E em outro verso: "mora na morte quem procura Deus na austeridade". A única afirmação possível da vida no niilismo radical: rir pra não chorar. Se nada, nada, nada, ó se nada existe ou vale, se você lembra da morte e a morte te abraça / melhor mesmo é dar risada.

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A festa dos mortos mexicana.

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Outro que tem o humor bem característico é o Drummond. Uma vez eu ri quando o professor leu "e como ficou chato ser moderno, agora serei eterno" e o professor ficou um pouco bravo, falou "sim, é engraçado, mas é sério". Drummond devia ser um tipo muito divertido. O humor dele é mais leve que o dos outros, os trocadalhos: "O amor bate na porta, o amor bate na aorta / fui abrir e me constipei". Ou a piada de firma mais metafísica da língua portuguesa

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo


Drummond entendeu melhor que "mora na morte quem...". Seu humor é bobo e fácil, sem-gracinha e sem crueldade. Especialmente nos primeiros livros. E aparece sempre como um descanso para o insuportável da vida. A vida é insuportável, mas, se não temos solução, temos rima.

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pensando, agora, dei de admirar o humor do Drummond. Sem escárnio. Pela tradição, o escárnio é dirigido a pessoas baixas, o riso é provocado pelos inferiores. Recurso comum na sátira é inferiorizar os superiores, mas, que eu me lembre, isso se faz atribuindo a eles características dos inferiores. Nas de Gregório de Matos, você ri do prefeito comparando-o a um negro. No fim das contas, a gente está sempre rindo de negros. Esse procedimento é especialmente usado pela Hilda Hilst, que é uma moralista, mas também aparece em Clarice e Machado. Drummond, por outro lado, que eu me lembre, só ri dos jogos das palavras. Uma opção estética e política que me parece eticamente melhor. Embora o homem seja o lobo do homem e a crueldade o único direito humano universalmente reconhecido, independente das culturas.
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