(primeiras impressões de maria gabriela llansol)
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a primeira impressão é esta: ela mata tudo. nivela, achata, deixa indistinto.
quando lemos algo pela primeira vez, essa leitura se baliza pelas referências que já temos, as leituras anteriores. por vezes uma nova leitura é um sofá novo numa sala. outras vezes, é o mesmo sofá velho, visto de novo. pode ser também uma nova janela, uma porta, um cômodo escuro descoberto ou até (é isso que busco, urano) a destruição da casa inteira. mas há sempre um antes e um entorno.
o antes e o entorno que encontrei com llansol foi certa tradição francesa do excesso de palavras e da supervalorização do texto como um em-si para o qual tudo tende e no qual tudo morre, se ata e se dilui. os vazios de flaubert, o mundo-que-existe-para-virar-livro de mallarmé, a obsessão de catálogo de barthes. tenho a literatura francesa na prateleira da preguiça, e está aí um sofá de que qualquer hora me livro, espero um dia amar a frança, vamos ver no que vai dar.
no brasil, quem vai muito pra isso é o haroldo de campos. galáxias é um texto triste, punheta triste.
a mesma que eu li nas muitas vezes em que abri um livro ou um texto de llansol para tentar me aproximar. "o texto, o texto, o texto" ela diz. o sol tão claro lá fora, e nela "o texto o texto o texto". uma escrita sobre a escrita, sobre a divindade da escrita, me deixa enraivecido e intolerante. porque me lembra também certa poesia brasileira a partir dos anos 90, acadêmica, neoparnasiana, fraca e melindrosa. vazia, mas se achando cheia, pedestal.
óbvio que a escrita é um tipo de experiência. e, como tal, deve ser escrita. mas a escrita-experiência (assim como qualquer outra experiência?) não existe sozinha, assim como o corpo não existe sozinho. não quero usar a masturbação como metáfora do ruim, mas bem: quem só se masturba não troca energias com ninguém. não tem repertório. a escrita, em si, não é repertório algum. e escrever não faz nada de ninguém.
quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.
***
pela primeira vez consegui ler mais de vinte páginas de um texto da llansol. o livro se chama a restante vida. me foi indicado com entusiasmo há um ano, e quando o abri, abriram-se de vez as minhas comportas de raiva contra essa llansol, que me pareceu medíocre, mesquinha, cínica, sendo tudo isso uma crueldade com a qual eu me recuso a pactuar, há jeitos mais vivos e mais divertidos de ser cruel.
mas a gaja está à minha volta. um ano depois, tenho de novo nas mãos a restante vida. e, após ter folheado muita coisa dela e ter inundado a cidade com ódio, resolvi brigar de frente. e acolher. duelo, dueto, espada e balança. também não vou ficar arrancando a relva do chão que a gente pisa, feito mulher desprezada e raivosa. fiz da llansol minha montanha.
e, lidas vinte páginas, tive um click de compreensão, uma entrada no texto que talvez seja uma porta, uma janela. pode ser um pano de prato. mas pronto, está aqui. primeiro pensei: "que o texto é um personagem". depois, que não, não, está mais para objeto. o texto é um my precious. ou, melhor, talvez: uma batata quente.
senti isso agora, há pouco, no ônibus. não sei como vai continuar a leitura. talvez eu faça aqui um diário dessa leitura, era uma boa, o diário de uma aproximação hostil. de todo modo, quis, antes de continuar, registrar as primeiras más impressões, que são um estrato em que esse fóssil vai ser investigado.
domingo, 5 de junho de 2011
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