Tem, vamos lá, dois jeitos de escrever.
Um é no amor da palavra. Outro é no conjunto. No primeiro cada letra é burilada, são tampinhas de garrafa caminho acima que brilham na montanha. No segundo as palavras são linha de tecido. É de quem faz tapete.
Na palavra tem o conceito (poundiano?) de condensação, que muita gente atribui ao próprio ser-poético de um texto. Quer dizer, quando a sujeita escreve
a conjunção fonética de /t/ e /r/ e /d/, a alternância de vogais abertas e fechadas e a carga semântica do verso "Trituras a cada dia" devem supostamente provocar no leitor a sensação religiosa (que re-liga e faz sentido, "sentimento oceânico" o Freud chama pela amplidão) de ter Deus mastigando seus próprios tímpanos e cartilagens, o que no contexto da leitura do poema vai fazer um supra-eu dizer "você sabe exatamente do que eu estou falando", porque é a constatação do absoluto.
Por outro lado, se o sujeito escreve
a gente geralmente se dá o direito de colocar "(...)" quando essa passagem não é bonita o bastante ou então ai-que-preguiça-de-escrever. Porque perder palavras não vai te fazer perder a leitura. Lembro de pular umas cem páginas quando eu li A Relíquia, do Eça de Queiroz, pensando ai-que-chato-não-sou-obrigada. E não era mesmo.
O Barthes, em O prazer do texto, fala que essa é a grande diferença da literatura do século XIX e a do XX. Segundo ele, não se espera que alguém leia Zola ou Dumas com atenção pesada para cada termo posto. O lance desses caras era escrever folhetim e, se você não relaxar e entrar na história, vai fazer uma leitura muito anal-retentiva.
Por outro lado, não dá pra pular páginas quando você lê Ulisses (ou o Grande sertão: veredas), porque aí você vai perder muita coisa.
(O que, pensando bem, agora me parece uma bobagem. O Grande sertão não foi feito pra ser lido, né gente. Ou, se foi, tá na hora de a gente se perder um pouco)
De qualquer forma, a idéia geral é de que a prosa (o texto prosaico) é mais espraiado, enquanto que o texto poético é pedra dura enigmática.
Falando em pedra, tem a do Cabral. Na primeira estrofe de "A educação pela pedra" ele descreve uma pedra didática, onde o didatismo está na pessoa que observa a pedra e dela tenta tirar lições. De poética, de economia, de dicção... de vida. Umas diquinha.
Na segunda estrofe, ele fala de uma pedra pré-didática. No Sertão (falando em sertão) a pedra não aprende nada. E nem a gente com ela ("a gente" sendo modo de dizer, porque eu passo cremes e "o sertanejo é antes de tudo..."). A pedra, segundo o poema, "entranha a alma".
Supostamente a gente não deveria resumir poemas, à diferença de textos não poéticos, em que a palavra não é pedra, é mais biscoito. E aí daria pra trocar seis por meia-dúzia e todo mundo ia entender.
Mas tenta pegar um texto de jornal qualquer e começa a perceber que tudo ali está nas entrelinhas. Justamente pra não ser dito. Ao modo dos poemas.
Um é no amor da palavra. Outro é no conjunto. No primeiro cada letra é burilada, são tampinhas de garrafa caminho acima que brilham na montanha. No segundo as palavras são linha de tecido. É de quem faz tapete.
Na palavra tem o conceito (poundiano?) de condensação, que muita gente atribui ao próprio ser-poético de um texto. Quer dizer, quando a sujeita escreve
Que vertigem, Pai.
Pueril e devasso
No furor da tua víscera
Trituras a cada dia
Meu exíguo espaço.
(Hilda Hilst, Via Vazia)
a conjunção fonética de /t/ e /r/ e /d/, a alternância de vogais abertas e fechadas e a carga semântica do verso "Trituras a cada dia" devem supostamente provocar no leitor a sensação religiosa (que re-liga e faz sentido, "sentimento oceânico" o Freud chama pela amplidão) de ter Deus mastigando seus próprios tímpanos e cartilagens, o que no contexto da leitura do poema vai fazer um supra-eu dizer "você sabe exatamente do que eu estou falando", porque é a constatação do absoluto.
Por outro lado, se o sujeito escreve
Um dia - ou uma noite, de preferência uma noite, a noite é mais propícia para gente como nós e para a evocação da memória que deixamos - alguém lembrará de mim. Quando isso acontecerá, não sei. (...) A entidade que sou - pobre entidade, modesta entidade, lamentável entidade - terá desaparecido. Estarei reduzido a diminutas partículas que ventos e águas disseminarão pelo mundo. Uma partícula fará parte de uma pedra, outra estará na casca de uma fruta, outra na córnea de um leão, no pêlo de uma raposa, no osso de um ser humano. (...)
(Moacyr Scliar, Manual da Paixão Solitária)
a gente geralmente se dá o direito de colocar "(...)" quando essa passagem não é bonita o bastante ou então ai-que-preguiça-de-escrever. Porque perder palavras não vai te fazer perder a leitura. Lembro de pular umas cem páginas quando eu li A Relíquia, do Eça de Queiroz, pensando ai-que-chato-não-sou-obrigada. E não era mesmo.
O Barthes, em O prazer do texto, fala que essa é a grande diferença da literatura do século XIX e a do XX. Segundo ele, não se espera que alguém leia Zola ou Dumas com atenção pesada para cada termo posto. O lance desses caras era escrever folhetim e, se você não relaxar e entrar na história, vai fazer uma leitura muito anal-retentiva.
Por outro lado, não dá pra pular páginas quando você lê Ulisses (ou o Grande sertão: veredas), porque aí você vai perder muita coisa.
(O que, pensando bem, agora me parece uma bobagem. O Grande sertão não foi feito pra ser lido, né gente. Ou, se foi, tá na hora de a gente se perder um pouco)
De qualquer forma, a idéia geral é de que a prosa (o texto prosaico) é mais espraiado, enquanto que o texto poético é pedra dura enigmática.
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Falando em pedra, tem a do Cabral. Na primeira estrofe de "A educação pela pedra" ele descreve uma pedra didática, onde o didatismo está na pessoa que observa a pedra e dela tenta tirar lições. De poética, de economia, de dicção... de vida. Umas diquinha.
Na segunda estrofe, ele fala de uma pedra pré-didática. No Sertão (falando em sertão) a pedra não aprende nada. E nem a gente com ela ("a gente" sendo modo de dizer, porque eu passo cremes e "o sertanejo é antes de tudo..."). A pedra, segundo o poema, "entranha a alma".
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Supostamente a gente não deveria resumir poemas, à diferença de textos não poéticos, em que a palavra não é pedra, é mais biscoito. E aí daria pra trocar seis por meia-dúzia e todo mundo ia entender.
Mas tenta pegar um texto de jornal qualquer e começa a perceber que tudo ali está nas entrelinhas. Justamente pra não ser dito. Ao modo dos poemas.
se eu me apaixonasse por você diriam que é édipo
ResponderExcluirpropaganda de tênis também... pluri-pluriss. várias delas e os pré-significados saltitantes.
ResponderExcluirmas aqui: acho que o não-lido é mais profano. porque o ritual não é pra atingir nada de-acordo.
beijolas
o joão cabral era de capricórnio
ResponderExcluir"Supostamente a gente não deveria resumir poemas, à diferença de textos não poéticos, em que a palavra não é pedra, é mais biscoito. E aí daria pra trocar seis por meia-dúzia e todo mundo ia entender.
ResponderExcluirMas tenta pegar um texto de jornal qualquer e começa a perceber que tudo ali está nas entrelinhas. Justamente pra não ser dito. Ao modo dos poemas."
e eu tento mas não entendo a concatenção (do não-dito) entre o primeiro e o segundo parágrafo?
julieta: forma é conteúdo. concatena só isso mesmo, acho.
ResponderExcluirbrb: não recusa ser profético :D concordo. / / / e o não-lido é possível de método?