"Os grandes textos são os que transformam o modo de ler" - Ricardo Piglia em entrevista publicada no livro O laboratório do escritor.
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É basicamente o argumento de Jorge Luis Borges no texto Kafka e seus precursores. Após citar quatro precursores da escrita e do pensamento de Kafka, Borges observa que esses precursores nada têm a ver entre si além do fato de que, neles, podemos ver traços kafkianos. E Borges conclui: "O fato é que cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica a nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro".
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Um texto que leva a uma mudança no modo de ler funciona como uma luz muito forte que, após ser encarada fixamente, atordoa a retina e para onde quer que você olhe haverá cores e estrelas que não estavam lá antes.
A diferença é que, com a leitura, os danos à vista costumam ser permanentes.
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É também o Borges quem menciona que, por estar tão espalhado e presente pelo mundo, o Livro das Mil e Uma Noites já é "parte prévia da nossa memória". Essa afirmação é particularmente interessante por dizer "nossa memória".
A gente pode dizer que vivemos num mundo kafkiano, se na nossa retina estiverem as cores de Kafka. Assim como as Mil e Umas Noites estão na memória daqueles que as viram, ainda que pelos olhos de outros, mesmo que esses outros não as tenham visto, mas ouvido de outros que também podem não ter visto etc.
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Para mim, o fato de o Brasil ter pressuposto a escravidão por quatrocentos anos faz com que, boa parte do tempo, eu pressuponha a escravidão agora em 2009. A escravidão, como fato histórico, é precursora do meu presente não apenas na cronologia, mas cognitivamente.
Posso dizer que 170 milhões de pessoas compartilham o meu passado cronógico, mas quantas pessoas compartilham desse pressuposto fenomenológico?
(Esse foi um exemplo, não estou emitindo juízo de valor)
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O nosso discurso sobre o passado é uma opção por uma concatenação narrativa de fatos eleitos. E é um discurso invariavelmente do agora.
O sol é do tamanho do meu pé.
Assim como a leitura é sempre uma leitura-agora. A leitura é como uma reação química, que só acontece na duração de contato entre dois elementos num determinado ambiente.
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Mas o presente, assim como o passado, não é monolítico. É amorfo e poroso.
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Ler Borges após ter ouvido Diana me deixa muito menos crente no Borges. E ouvir Diana tendo lido Borges faz com que eu ouça com mais prazer as músicas de Diana. No caso, não importa quem veio antes e quem veio depois. Estando os dois no meu passado, estão ambos no meu presente.
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O "grande texto" é uma experiência pessoal ou coletiva?
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Ao ler Kafka, Kafka é um precursor de Kafka.
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É basicamente o argumento de Jorge Luis Borges no texto Kafka e seus precursores. Após citar quatro precursores da escrita e do pensamento de Kafka, Borges observa que esses precursores nada têm a ver entre si além do fato de que, neles, podemos ver traços kafkianos. E Borges conclui: "O fato é que cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica a nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro".
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Um texto que leva a uma mudança no modo de ler funciona como uma luz muito forte que, após ser encarada fixamente, atordoa a retina e para onde quer que você olhe haverá cores e estrelas que não estavam lá antes.
A diferença é que, com a leitura, os danos à vista costumam ser permanentes.
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É também o Borges quem menciona que, por estar tão espalhado e presente pelo mundo, o Livro das Mil e Uma Noites já é "parte prévia da nossa memória". Essa afirmação é particularmente interessante por dizer "nossa memória".
A gente pode dizer que vivemos num mundo kafkiano, se na nossa retina estiverem as cores de Kafka. Assim como as Mil e Umas Noites estão na memória daqueles que as viram, ainda que pelos olhos de outros, mesmo que esses outros não as tenham visto, mas ouvido de outros que também podem não ter visto etc.
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Para mim, o fato de o Brasil ter pressuposto a escravidão por quatrocentos anos faz com que, boa parte do tempo, eu pressuponha a escravidão agora em 2009. A escravidão, como fato histórico, é precursora do meu presente não apenas na cronologia, mas cognitivamente.
Posso dizer que 170 milhões de pessoas compartilham o meu passado cronógico, mas quantas pessoas compartilham desse pressuposto fenomenológico?
(Esse foi um exemplo, não estou emitindo juízo de valor)
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O nosso discurso sobre o passado é uma opção por uma concatenação narrativa de fatos eleitos. E é um discurso invariavelmente do agora.
O sol é do tamanho do meu pé.
Assim como a leitura é sempre uma leitura-agora. A leitura é como uma reação química, que só acontece na duração de contato entre dois elementos num determinado ambiente.
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Mas o presente, assim como o passado, não é monolítico. É amorfo e poroso.
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Ler Borges após ter ouvido Diana me deixa muito menos crente no Borges. E ouvir Diana tendo lido Borges faz com que eu ouça com mais prazer as músicas de Diana. No caso, não importa quem veio antes e quem veio depois. Estando os dois no meu passado, estão ambos no meu presente.
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O "grande texto" é uma experiência pessoal ou coletiva?
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Ao ler Kafka, Kafka é um precursor de Kafka.
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