segunda-feira, 13 de outubro de 2008

1984

O Calvino em algum lugar fala da diferença que faz: ler um livro na juventude, lê-lo com a juventude pra trás. Diz que "as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão forma às experiências futuras, fornecendo (...) coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se enquanto tal, mas que deixa sua semente."

Os olhos frescos encontram as linhas e o livro arrebata; os calos reconhecem na lombada o que os calejou. Descontado o bibliômano de Brás Cubas (que se arrepiou todo na velhice com um exemplar mais velho que), considerado o presidente Lula (que disse que socialismo é coisa de adolescente), Calvino está tão certo que

Vou começar a reservar alguns livros para a velhice. Coisas amenas e baixinhas, Garret só depois dos quarenta, Alencar dos cinqüenta, nada antes dos trinta. Guardar o Stendhal para a aposentadoria. Por enquanto, só os livros que possam semear uma vida deserto adentro.

as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso

Por enquanto, só o que me deixe bravo e com vontade de explodir. Só o que me faça sentir Winston Smith me embrenhando no mato para escapar do Grande Irmão. Sem conseguir. Mas quem consegue? "Agora que possuíam um esconderijo seguro, quase um lar, já não lhes parecia tão mau encontrar-se raramente, e apenas por algumas horas. O que importava era a existência do quarto sobre a loja do antiquário. Saber que estava lá, inviolado, era quase que o mesmo que estar nele. O quarto era um mundo, uma redoma do passado, onde sobreviviam animais extintos." Animais que são eu mesmo, mais uma porção de gente e o conforto dos começos.



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Um comentário:

  1. Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.

    (George Orwell, em 1984)

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