Mas vender livros pela rua, hoje, soa bobagem e muito fake. O fim das utopias, o sonho acabou, o nosso amor de hoje parece durar bem menos do que o nosso amor de ontem. Existe uma espécie de consenso quanto ao reacionarismo dos jovens (what the hell) hoje em dia, que nutrem uma nostalgia tímida pelo último regime militar e pela ordem social que ele promovia ou dizia promover. É um consenso também conservador esse, já que desconsidera os Comandos de Caça aos Comunistas e os próprios comunistas, a guerrilha urbana, que a martirização constante divulgada desde os anos 90 lapida justamente para fornecer a nostalgia dos anos de chumbo.
Aí acontece que sair pelas ruas hoje bancando o próprio trabalho nos soa demodê e, pior, desnecessário, visto que vivemos num país livre, com liberdade de imprensa, de expressão, de comércio, de vida - e ninguém precisa mais fazer nada sozinho, porque vai ter sempre uma empresa pública ou privada te patrocinando. O governo brasileiro (o Gil era ministro da Cultura!) quer a diversidade de vozes!
Sentado num bar na região da Av. Paulista, é com uma impressão de inconsequência política e de coragem lavada que eu vejo o Ricardo Carlaccio vender, a cinco reais, seus pocket books produzidos com um capricho gráfico fora de série, até mesmo sofisticado. Os livros de Carlaccio não têm nem cheiro de mimeógrafo, são lisos ao toque e limpos de olhar. Sua prosa é essencialmente bukowskiana, apresentando gângsteres, mendigos e prostitutas que circulam pelo centro estragado de São Paulo, bem longe da boemia leve que frequenta a fronteira dos Jardins. Balzaquiano bonito, simpático e bom de lábia, Carlaccio é o beijo da boca do luxo na boca do lixo, ou vice-e-versa, gingando entre as mesas com os exemplares na mão e anunciando pra gente como eu: "tou aqui divulgando o meu trabalho...".
É o máximo de risco que a gente consegue. Na livraria Cultura, que tem o maior acervo do país, pufes e carpetes te convidam a deitar entre as estantes pra ler hedonísticamente livros que brotam como frutos bons de uma árvore que nunca seca. Existe cada vez mais beleza e refinamento nesses desejos e é extremamente difícil se posicionar além disso, ou antes disso, ou contra isso. O tempo, esse que é gosma, uterino, mastiga incessantemente e digere tudo o que apontar pra fora de si. O que me incomoda é não conseguir vislumbrar outra coisa, outro jeito de ler, que não pareça piegas escapista ou radicalmente entranhado no que eu absolutamente não quero.
Faz muito tempo escrevi na parede do meu quarto, meio escondido, e de vez em quando vejo que está lá e leio:
Fico pensando na Simone Weil, na Hilda Hilst, no Pasolini. Todos nomes com maiúsculas, grifes intelectuais e o que eu puder tirar de dentro deles? De fora deles? Ler é muito perigoso. E eu gostaria de achar um jeito de ler além da compra. Gostaria? Meu partido é um coração partido.
Aí acontece que sair pelas ruas hoje bancando o próprio trabalho nos soa demodê e, pior, desnecessário, visto que vivemos num país livre, com liberdade de imprensa, de expressão, de comércio, de vida - e ninguém precisa mais fazer nada sozinho, porque vai ter sempre uma empresa pública ou privada te patrocinando. O governo brasileiro (o Gil era ministro da Cultura!) quer a diversidade de vozes!
Sentado num bar na região da Av. Paulista, é com uma impressão de inconsequência política e de coragem lavada que eu vejo o Ricardo Carlaccio vender, a cinco reais, seus pocket books produzidos com um capricho gráfico fora de série, até mesmo sofisticado. Os livros de Carlaccio não têm nem cheiro de mimeógrafo, são lisos ao toque e limpos de olhar. Sua prosa é essencialmente bukowskiana, apresentando gângsteres, mendigos e prostitutas que circulam pelo centro estragado de São Paulo, bem longe da boemia leve que frequenta a fronteira dos Jardins. Balzaquiano bonito, simpático e bom de lábia, Carlaccio é o beijo da boca do luxo na boca do lixo, ou vice-e-versa, gingando entre as mesas com os exemplares na mão e anunciando pra gente como eu: "tou aqui divulgando o meu trabalho...".
É o máximo de risco que a gente consegue. Na livraria Cultura, que tem o maior acervo do país, pufes e carpetes te convidam a deitar entre as estantes pra ler hedonísticamente livros que brotam como frutos bons de uma árvore que nunca seca. Existe cada vez mais beleza e refinamento nesses desejos e é extremamente difícil se posicionar além disso, ou antes disso, ou contra isso. O tempo, esse que é gosma, uterino, mastiga incessantemente e digere tudo o que apontar pra fora de si. O que me incomoda é não conseguir vislumbrar outra coisa, outro jeito de ler, que não pareça piegas escapista ou radicalmente entranhado no que eu absolutamente não quero.
Faz muito tempo escrevi na parede do meu quarto, meio escondido, e de vez em quando vejo que está lá e leio:
A dissonância, naturalmente, é áspera, desagradável, exige de nós o esforço e a virtude. A virtude de se opor ao louvado, de parecer feio e desfigurado como os fracos.
Fico pensando na Simone Weil, na Hilda Hilst, no Pasolini. Todos nomes com maiúsculas, grifes intelectuais e o que eu puder tirar de dentro deles? De fora deles? Ler é muito perigoso. E eu gostaria de achar um jeito de ler além da compra. Gostaria? Meu partido é um coração partido.