Então
quando Pessoa escrevia o Mensagem, o Supra-Camões não se tratava de uma superação qualitativa, mas sim de uma superação mística, poética
emulação do gênero
Mas não do gênero "epopeia". E sim do gênero "gênio" e do gênero "nação" (minha pátria é minha língua).
Trata-se - pensando na tradição hoje - de emular. Não é uma linha sucessória e competitiva.
Como ser, hoje, o Supra-Camões?
Aí está uma questão de projeto. Camões não me interessa. Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo. [Aqui estou autobiográfico]. Super-Lispector, então? Qualquer que seja o máximo da Arte.
Super-Cachorro Vivo.
Meu gênero é a vida.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
domingo, 5 de junho de 2011
o texto que resta
(primeiras impressões de maria gabriela llansol)
*
a primeira impressão é esta: ela mata tudo. nivela, achata, deixa indistinto.
quando lemos algo pela primeira vez, essa leitura se baliza pelas referências que já temos, as leituras anteriores. por vezes uma nova leitura é um sofá novo numa sala. outras vezes, é o mesmo sofá velho, visto de novo. pode ser também uma nova janela, uma porta, um cômodo escuro descoberto ou até (é isso que busco, urano) a destruição da casa inteira. mas há sempre um antes e um entorno.
o antes e o entorno que encontrei com llansol foi certa tradição francesa do excesso de palavras e da supervalorização do texto como um em-si para o qual tudo tende e no qual tudo morre, se ata e se dilui. os vazios de flaubert, o mundo-que-existe-para-virar-livro de mallarmé, a obsessão de catálogo de barthes. tenho a literatura francesa na prateleira da preguiça, e está aí um sofá de que qualquer hora me livro, espero um dia amar a frança, vamos ver no que vai dar.
no brasil, quem vai muito pra isso é o haroldo de campos. galáxias é um texto triste, punheta triste.
a mesma que eu li nas muitas vezes em que abri um livro ou um texto de llansol para tentar me aproximar. "o texto, o texto, o texto" ela diz. o sol tão claro lá fora, e nela "o texto o texto o texto". uma escrita sobre a escrita, sobre a divindade da escrita, me deixa enraivecido e intolerante. porque me lembra também certa poesia brasileira a partir dos anos 90, acadêmica, neoparnasiana, fraca e melindrosa. vazia, mas se achando cheia, pedestal.
óbvio que a escrita é um tipo de experiência. e, como tal, deve ser escrita. mas a escrita-experiência (assim como qualquer outra experiência?) não existe sozinha, assim como o corpo não existe sozinho. não quero usar a masturbação como metáfora do ruim, mas bem: quem só se masturba não troca energias com ninguém. não tem repertório. a escrita, em si, não é repertório algum. e escrever não faz nada de ninguém.
quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.
***
pela primeira vez consegui ler mais de vinte páginas de um texto da llansol. o livro se chama a restante vida. me foi indicado com entusiasmo há um ano, e quando o abri, abriram-se de vez as minhas comportas de raiva contra essa llansol, que me pareceu medíocre, mesquinha, cínica, sendo tudo isso uma crueldade com a qual eu me recuso a pactuar, há jeitos mais vivos e mais divertidos de ser cruel.
mas a gaja está à minha volta. um ano depois, tenho de novo nas mãos a restante vida. e, após ter folheado muita coisa dela e ter inundado a cidade com ódio, resolvi brigar de frente. e acolher. duelo, dueto, espada e balança. também não vou ficar arrancando a relva do chão que a gente pisa, feito mulher desprezada e raivosa. fiz da llansol minha montanha.
e, lidas vinte páginas, tive um click de compreensão, uma entrada no texto que talvez seja uma porta, uma janela. pode ser um pano de prato. mas pronto, está aqui. primeiro pensei: "que o texto é um personagem". depois, que não, não, está mais para objeto. o texto é um my precious. ou, melhor, talvez: uma batata quente.
senti isso agora, há pouco, no ônibus. não sei como vai continuar a leitura. talvez eu faça aqui um diário dessa leitura, era uma boa, o diário de uma aproximação hostil. de todo modo, quis, antes de continuar, registrar as primeiras más impressões, que são um estrato em que esse fóssil vai ser investigado.
*
a primeira impressão é esta: ela mata tudo. nivela, achata, deixa indistinto.
quando lemos algo pela primeira vez, essa leitura se baliza pelas referências que já temos, as leituras anteriores. por vezes uma nova leitura é um sofá novo numa sala. outras vezes, é o mesmo sofá velho, visto de novo. pode ser também uma nova janela, uma porta, um cômodo escuro descoberto ou até (é isso que busco, urano) a destruição da casa inteira. mas há sempre um antes e um entorno.
o antes e o entorno que encontrei com llansol foi certa tradição francesa do excesso de palavras e da supervalorização do texto como um em-si para o qual tudo tende e no qual tudo morre, se ata e se dilui. os vazios de flaubert, o mundo-que-existe-para-virar-livro de mallarmé, a obsessão de catálogo de barthes. tenho a literatura francesa na prateleira da preguiça, e está aí um sofá de que qualquer hora me livro, espero um dia amar a frança, vamos ver no que vai dar.
no brasil, quem vai muito pra isso é o haroldo de campos. galáxias é um texto triste, punheta triste.
a mesma que eu li nas muitas vezes em que abri um livro ou um texto de llansol para tentar me aproximar. "o texto, o texto, o texto" ela diz. o sol tão claro lá fora, e nela "o texto o texto o texto". uma escrita sobre a escrita, sobre a divindade da escrita, me deixa enraivecido e intolerante. porque me lembra também certa poesia brasileira a partir dos anos 90, acadêmica, neoparnasiana, fraca e melindrosa. vazia, mas se achando cheia, pedestal.
óbvio que a escrita é um tipo de experiência. e, como tal, deve ser escrita. mas a escrita-experiência (assim como qualquer outra experiência?) não existe sozinha, assim como o corpo não existe sozinho. não quero usar a masturbação como metáfora do ruim, mas bem: quem só se masturba não troca energias com ninguém. não tem repertório. a escrita, em si, não é repertório algum. e escrever não faz nada de ninguém.
quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.
***
pela primeira vez consegui ler mais de vinte páginas de um texto da llansol. o livro se chama a restante vida. me foi indicado com entusiasmo há um ano, e quando o abri, abriram-se de vez as minhas comportas de raiva contra essa llansol, que me pareceu medíocre, mesquinha, cínica, sendo tudo isso uma crueldade com a qual eu me recuso a pactuar, há jeitos mais vivos e mais divertidos de ser cruel.
mas a gaja está à minha volta. um ano depois, tenho de novo nas mãos a restante vida. e, após ter folheado muita coisa dela e ter inundado a cidade com ódio, resolvi brigar de frente. e acolher. duelo, dueto, espada e balança. também não vou ficar arrancando a relva do chão que a gente pisa, feito mulher desprezada e raivosa. fiz da llansol minha montanha.
e, lidas vinte páginas, tive um click de compreensão, uma entrada no texto que talvez seja uma porta, uma janela. pode ser um pano de prato. mas pronto, está aqui. primeiro pensei: "que o texto é um personagem". depois, que não, não, está mais para objeto. o texto é um my precious. ou, melhor, talvez: uma batata quente.
senti isso agora, há pouco, no ônibus. não sei como vai continuar a leitura. talvez eu faça aqui um diário dessa leitura, era uma boa, o diário de uma aproximação hostil. de todo modo, quis, antes de continuar, registrar as primeiras más impressões, que são um estrato em que esse fóssil vai ser investigado.
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Maria Gabriela Llansol
terça-feira, 10 de maio de 2011
Crítica e comunicação
[...] uma crítica cinematográfica de ordem puramente estética deve estar reservada às revistas, nas quais o crítico, não sendo obrigado a falar sobre todos os filmes indiscriminadamente, pode se dedicar aos poucos que apresentarem algum interesse artístico. Quanto à crítica de jornal (o nome de crônica talvez ficasse melhor), esta, para existir, terá que aceitar forçosamente o ponto de vista do público, isto é, terá que encarar os filmes que visam divertir apenas sob este ângulo.
(Decio de Almeida Prado, nos anos 1940 [?])
(Decio de Almeida Prado, nos anos 1940 [?])
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fazer crítica
segunda-feira, 7 de março de 2011
hipótese de trabalho
A hora da estrela é o livro tropicalista.
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Clarice Lispector,
tropicália
sábado, 5 de março de 2011
domingo, 20 de fevereiro de 2011
crítica literária
que o trabalho do crítico é educar o público
e o do artista, educar o crítico
o pound bate muito nessa tecla da educação
que, me parece, já vem de muito antes
cícero? santo agostinho? eu ando perdendo toda a erudição
não sei mais citar ninguém
é uma aposta num modo de pensar
fichas na mesa
comecei este blogue pra tentar escrever crítica literária fora dos moldes acadêmicos e jornalísticos. e mais próximo do modo como eu lia quando era adolescente. uma crítica mais impressionista do que profissional. "profissional" quase sempre significa rabo preso, e é isso que eu não queria. nem o rabo preso das relações pessoais, nem o rabo preso das correntes teóricas. uma crítica com o lirismo dos bêbados.
acho que nunca fiz uma autoavaliação do blogue. sempre que tentei, entrei num tom muito pomposo. fiquei tão refestelado em mim que falei "bleh não quero mais" e larguei isso aqui. agora tou pensando se tem de ser realmente assim.
verdade que conheci muita gente legal por causa deste blogue. disso não posso reclamar mesmo.
talvez o caminho seja - acho que foi sempre nessas circunstâncias em que me saí melhor - não encerrar nada. deixar o respiro ficar só respirando. e depois não ficar achando que fiz pouco.
é difícil, porque tem que lembrar o tempo todo que o que eu quero é isso, e não outra coisa.
nenhuma coerência. nenhuma reverência. não quero saber da crítica que não é libertação. as bichas dizem "meu cu!"
o monumento não tem porta.
e o do artista, educar o crítico
o pound bate muito nessa tecla da educação
que, me parece, já vem de muito antes
cícero? santo agostinho? eu ando perdendo toda a erudição
não sei mais citar ninguém
é uma aposta num modo de pensar
fichas na mesa
comecei este blogue pra tentar escrever crítica literária fora dos moldes acadêmicos e jornalísticos. e mais próximo do modo como eu lia quando era adolescente. uma crítica mais impressionista do que profissional. "profissional" quase sempre significa rabo preso, e é isso que eu não queria. nem o rabo preso das relações pessoais, nem o rabo preso das correntes teóricas. uma crítica com o lirismo dos bêbados.
acho que nunca fiz uma autoavaliação do blogue. sempre que tentei, entrei num tom muito pomposo. fiquei tão refestelado em mim que falei "bleh não quero mais" e larguei isso aqui. agora tou pensando se tem de ser realmente assim.
verdade que conheci muita gente legal por causa deste blogue. disso não posso reclamar mesmo.
talvez o caminho seja - acho que foi sempre nessas circunstâncias em que me saí melhor - não encerrar nada. deixar o respiro ficar só respirando. e depois não ficar achando que fiz pouco.
é difícil, porque tem que lembrar o tempo todo que o que eu quero é isso, e não outra coisa.
nenhuma coerência. nenhuma reverência. não quero saber da crítica que não é libertação. as bichas dizem "meu cu!"
o monumento não tem porta.
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fazer crítica
sábado, 15 de janeiro de 2011
a pena da galhofa, a tinta da melancolia
é a receita da aparente cordialidade
*
legado de Clarice e Machado: rir das crueldades. Ser cruel, afinal o mundo é cruel, denunciar a crueldade do mundo com a crueldade de si, e rir.
*
da perspectiva da morte, tudo adquire importância máxima e mínima. "Por quê?", eu me pergunto. "Se vou morrer", respondo triste. "Se vou morrer", malicio, sorriso.
*
"O homem é o único animal que ri, e é rindo que ele mostra o animal que é", Millôr Fernandes
*
Helene Cisoux faz a teoria do riso da medusa? De que a característica feminina é o riso que petrifica. Algo assim. Mona Lisa?
*
Hilda Hilst também vai nessa. Provoca na gente um riso de gente que se descobre morta. E define Deus: "uma superfície de gelo ancorada no riso" - polpa galhofuda para uma casca cortante. E em outro verso: "mora na morte quem procura Deus na austeridade". A única afirmação possível da vida no niilismo radical: rir pra não chorar. Se nada, nada, nada, ó se nada existe ou vale, se você lembra da morte e a morte te abraça / melhor mesmo é dar risada.
*
A festa dos mortos mexicana.
*
Outro que tem o humor bem característico é o Drummond. Uma vez eu ri quando o professor leu "e como ficou chato ser moderno, agora serei eterno" e o professor ficou um pouco bravo, falou "sim, é engraçado, mas é sério". Drummond devia ser um tipo muito divertido. O humor dele é mais leve que o dos outros, os trocadalhos: "O amor bate na porta, o amor bate na aorta / fui abrir e me constipei". Ou a piada de firma mais metafísica da língua portuguesa
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
Drummond entendeu melhor que "mora na morte quem...". Seu humor é bobo e fácil, sem-gracinha e sem crueldade. Especialmente nos primeiros livros. E aparece sempre como um descanso para o insuportável da vida. A vida é insuportável, mas, se não temos solução, temos rima.
*
pensando, agora, dei de admirar o humor do Drummond. Sem escárnio. Pela tradição, o escárnio é dirigido a pessoas baixas, o riso é provocado pelos inferiores. Recurso comum na sátira é inferiorizar os superiores, mas, que eu me lembre, isso se faz atribuindo a eles características dos inferiores. Nas de Gregório de Matos, você ri do prefeito comparando-o a um negro. No fim das contas, a gente está sempre rindo de negros. Esse procedimento é especialmente usado pela Hilda Hilst, que é uma moralista, mas também aparece em Clarice e Machado. Drummond, por outro lado, que eu me lembre, só ri dos jogos das palavras. Uma opção estética e política que me parece eticamente melhor. Embora o homem seja o lobo do homem e a crueldade o único direito humano universalmente reconhecido, independente das culturas.
*
legado de Clarice e Machado: rir das crueldades. Ser cruel, afinal o mundo é cruel, denunciar a crueldade do mundo com a crueldade de si, e rir.
*
da perspectiva da morte, tudo adquire importância máxima e mínima. "Por quê?", eu me pergunto. "Se vou morrer", respondo triste. "Se vou morrer", malicio, sorriso.
*
"O homem é o único animal que ri, e é rindo que ele mostra o animal que é", Millôr Fernandes
*
Helene Cisoux faz a teoria do riso da medusa? De que a característica feminina é o riso que petrifica. Algo assim. Mona Lisa?
*
Hilda Hilst também vai nessa. Provoca na gente um riso de gente que se descobre morta. E define Deus: "uma superfície de gelo ancorada no riso" - polpa galhofuda para uma casca cortante. E em outro verso: "mora na morte quem procura Deus na austeridade". A única afirmação possível da vida no niilismo radical: rir pra não chorar. Se nada, nada, nada, ó se nada existe ou vale, se você lembra da morte e a morte te abraça / melhor mesmo é dar risada.
*
A festa dos mortos mexicana.
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Outro que tem o humor bem característico é o Drummond. Uma vez eu ri quando o professor leu "e como ficou chato ser moderno, agora serei eterno" e o professor ficou um pouco bravo, falou "sim, é engraçado, mas é sério". Drummond devia ser um tipo muito divertido. O humor dele é mais leve que o dos outros, os trocadalhos: "O amor bate na porta, o amor bate na aorta / fui abrir e me constipei". Ou a piada de firma mais metafísica da língua portuguesa
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
Drummond entendeu melhor que "mora na morte quem...". Seu humor é bobo e fácil, sem-gracinha e sem crueldade. Especialmente nos primeiros livros. E aparece sempre como um descanso para o insuportável da vida. A vida é insuportável, mas, se não temos solução, temos rima.
*
pensando, agora, dei de admirar o humor do Drummond. Sem escárnio. Pela tradição, o escárnio é dirigido a pessoas baixas, o riso é provocado pelos inferiores. Recurso comum na sátira é inferiorizar os superiores, mas, que eu me lembre, isso se faz atribuindo a eles características dos inferiores. Nas de Gregório de Matos, você ri do prefeito comparando-o a um negro. No fim das contas, a gente está sempre rindo de negros. Esse procedimento é especialmente usado pela Hilda Hilst, que é uma moralista, mas também aparece em Clarice e Machado. Drummond, por outro lado, que eu me lembre, só ri dos jogos das palavras. Uma opção estética e política que me parece eticamente melhor. Embora o homem seja o lobo do homem e a crueldade o único direito humano universalmente reconhecido, independente das culturas.
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