sábado, 25 de outubro de 2008

Poetas, não

.
eu lia
poesia
a dar com pau
e o make it
new
sempre pensando
"bom que
boa a poli-
lalia que não
tá à toa" ah
poesia o
verbo
vivo

não
que tal
comoção não
me aco-
meta hoje
em dia
é que
se eu leio
tanta
coisa que
meu olho
enguiça
travo a
língua e a
grafia me
suspendo e
sempre penso
"que preguiça!"

p.s.

não
que isso
impeça
de postar
nos
quatro
blogues
periódicos
mantidos por
mim
é só que há
um certo
alívio de me
ver todo
altivo
dando a
público estes
textos

além
do que
sempre
há olhos
frescos
que
vão ler
versos que
pra outros são
toscos e
dizer
"bom que
boa a vida
voa
!
"


.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

no escuro não no claro

Eu sempre pego três quatro livros passo horas a folhear procurando dois três versinhos bonitinhos que eu possa dar de presente pro meu bem, quem diz que eu acho?

Vou fazer o quê? Se não leio com tanto amor quanto os herdeiros do Drummond e seus editores, que lançaram o gracinha bonitinho Declaração de amor cheio de desenhinhos e dádiva pra presentear quem se ama.

Procuro procuro e o mais perto que chego:


Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.


Quem que ama em crueldade? Senão párias pederastas cafetões gente que eu tenho a mínima intenção de ser quando tento me vender como carne para a vida, afeto além minuto, dedicável e saboroso.

Nas horas de marketing pessoal nada de alta poesia, quando muito algum clichê mascado "para mim já não adianta/ tanta coisa sem você", que é toda a alta poesia


r.c.

os grandes colecionadores de mantras pessoais não saberão a metade/ do que aprendi nas canções/ é verdade/ nem saberão/ descrever com tanta precisão/ aquela janela da bolha de sabão/meu bem eu li a barsa/ eu li a britannica/ e quando sobrou tempo eu ouvi/ a sinfônica/ eu cresci/ sobrevivi/ a privada de perto/ muitas vezes eu vi/ mas a verdade é que/quase tudo aprendi/ ouvindo as canções do rádio/ as canções do rádio/quando meu bem nem/ a verdadeira maionese/ puder me salvar/ você sabe onde me encontrar/quando meu mundo cair/ e a luz faltar/ num cantinho do meu quarto/ vou estar/com um panasonic quatro pilhas AAA/ ouvindo as canções do rádio


Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? Até ficar tonto e se estatelar. Aí sim, com todos os versinhos do mundo pra apoiar o cotovelo.



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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

1984

O Calvino em algum lugar fala da diferença que faz: ler um livro na juventude, lê-lo com a juventude pra trás. Diz que "as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão forma às experiências futuras, fornecendo (...) coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se enquanto tal, mas que deixa sua semente."

Os olhos frescos encontram as linhas e o livro arrebata; os calos reconhecem na lombada o que os calejou. Descontado o bibliômano de Brás Cubas (que se arrepiou todo na velhice com um exemplar mais velho que), considerado o presidente Lula (que disse que socialismo é coisa de adolescente), Calvino está tão certo que

Vou começar a reservar alguns livros para a velhice. Coisas amenas e baixinhas, Garret só depois dos quarenta, Alencar dos cinqüenta, nada antes dos trinta. Guardar o Stendhal para a aposentadoria. Por enquanto, só os livros que possam semear uma vida deserto adentro.

as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso

Por enquanto, só o que me deixe bravo e com vontade de explodir. Só o que me faça sentir Winston Smith me embrenhando no mato para escapar do Grande Irmão. Sem conseguir. Mas quem consegue? "Agora que possuíam um esconderijo seguro, quase um lar, já não lhes parecia tão mau encontrar-se raramente, e apenas por algumas horas. O que importava era a existência do quarto sobre a loja do antiquário. Saber que estava lá, inviolado, era quase que o mesmo que estar nele. O quarto era um mundo, uma redoma do passado, onde sobreviviam animais extintos." Animais que são eu mesmo, mais uma porção de gente e o conforto dos começos.



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domingo, 5 de outubro de 2008

Só lendo

.
a faculdade de letras me viciou.
poesia não é pra ser chata
perdoai
(só) hoje eu acredito
(sei não)
que não ser chata
é o único antídoto
pra chateação



Isso depois de ter lido o Rilke Shake, da Angélica Freitas (Rio de Janeiro: 7Letras, 2007) - do qual eu já tinha muito falado, mas nunca lido comprado, agora sim, de que mais adiantaria um salário?

Porque a Angélica eu conheci de orelhada quando ela morava em São Paulo eu tinha acabado de mudar e ela me escreveu no orkut "vai ler o uivo do ginsberg" eu li fiquei grato e resolvi ter uma boa impressão dela até hoje.

O que não tem nada a ver com o Rilke Shake, porque de boas impressões o tédio está cheio, não é esse o caso. O blog dela é muito legal, sempre recomendei, mas não, o caso ainda não é esse.

Senti enquanto lia o livro no ônibus - como senti quando li o A teus pés pela primeira vez - como um banho de menta e alecrim nos olhos, lavando e fresh! Diferente ler espaçado a história do moço do Stradivarius. Diferente ler com comments o love affair de Gertrude Stein. E, entre os posts, os relatos de poeira no pé que a Angélica vai deixando pelo caminho (ela agora está no México?).

O livro duro na mão é um bloquinho de alegria sacolejando comigo no busão. São trocentos poemas para ser leídos en el transvía - uma masturbação urgente de tesão no transporte público. Não, não é nada de poesia. É diversão. Precisa mais?



As leituras interceptadas. Muito do que eu já tinha lido do Rilke Shake foi trilhado por artiguelhos críticos [ca-han] que falavam de intertextualidade, de crítica social, ao machismo, make-it-new e o escambau. Só no livro em mãos é que dá pra ler, no fluxo, que

As bruxas de Bruxelas
batem panelas
pra espantar as baratas tontas
que vivem nas pontas
dos sapatos delas


, coisa que eu não sabia.

Esse livro é um objeto gostoso de ser folheado e conversado. E mais uma vez eu fico agradecido à Angélica: obrigado.


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