1.
Nos tempos antigos não tinha essa de louco: colocava-se tudo num barco, abandonando-se-o no horizonte. E que os loucos se comessem as carnes ou os tubarões se encarregassem.
Mas já no Dom Quixote aparece: o herói não bate bem da bola. De tanto ler ficou confuso, acha que é um personagem de cavalaria. O que não acontecia nos antigos: ninguém achava que era Aquiles pra sair cercando Tróia por aí. A loucura no Quixote aparece como medo da ficção - que, sem limites, é um perigo - tal como uma cidade, um forte, um condomínio.
Então aparece Freud pra dizer que de louco todo mundo tem um pouco (porque o Freud dizia que a razão não era assim tão razoável e estamos todos perigando). Só num século de Freud é que é possível Antonin Artaud. E é um tal de gente louca na literatura do século XX, que foi toda de escritores-incompreendidos-marginais-na-sociedade-capitalista.
Os escritores, claro, quase todos lúcidos queriam mais era colocar lenha na fogueira dos personagens.
Talvez os escritores loucos tenham tematizado menos a coisa. Sylvia Plath foi uma. A redoma de vidro, que é uma espécie de sua autobiografia, não fala de uma loucura de triunfo. É um lugar atormentado que a personagem principal ocupa. Mas também não é trágico. É a loucura de quem percebe que precisa se adequar?
Diferente se você pega o Lima Barreto, o Machado de Assis, o Guimarães Rosa. Mesmo a Clarice Lispector. Nelxs a loucura tem um fundo moral calcado numa conceituação quase alegórica, mas essencialmente racional.
No dos outros é refresco, não é mesmo?
2.
Também há a loucura como referência para um processo criativo. O desregramento dos sentidos. No colégio é bem comum a gente achar que declamar dramaticamente um texto é se esgoelar e pôr a língua pra fora a cada estrondo. Às vezes a pessoa não percebe e fica a vida inteira refinando essa performance até que ela fique praticamente imperceptível. Outras vezes a pessoa desenvolve a ironia como sistema de defesa contra esses arroubos de seriedade da loucura fingida. E há, também, o exercício da desarticulação dos procedimentos artísticos para obtenção de um produto final inesperado pela percepção do espectador O.O
3.
Nos tempos antigos não tinha essa de louco: colocava-se tudo num barco, abandonando-se-o no horizonte. E que os loucos se comessem as carnes ou os tubarões se encarregassem.
Mas já no Dom Quixote aparece: o herói não bate bem da bola. De tanto ler ficou confuso, acha que é um personagem de cavalaria. O que não acontecia nos antigos: ninguém achava que era Aquiles pra sair cercando Tróia por aí. A loucura no Quixote aparece como medo da ficção - que, sem limites, é um perigo - tal como uma cidade, um forte, um condomínio.
Então aparece Freud pra dizer que de louco todo mundo tem um pouco (porque o Freud dizia que a razão não era assim tão razoável e estamos todos perigando). Só num século de Freud é que é possível Antonin Artaud. E é um tal de gente louca na literatura do século XX, que foi toda de escritores-incompreendidos-marginais-na-sociedade-capitalista.
Os escritores, claro, quase todos lúcidos queriam mais era colocar lenha na fogueira dos personagens.
Talvez os escritores loucos tenham tematizado menos a coisa. Sylvia Plath foi uma. A redoma de vidro, que é uma espécie de sua autobiografia, não fala de uma loucura de triunfo. É um lugar atormentado que a personagem principal ocupa. Mas também não é trágico. É a loucura de quem percebe que precisa se adequar?
Diferente se você pega o Lima Barreto, o Machado de Assis, o Guimarães Rosa. Mesmo a Clarice Lispector. Nelxs a loucura tem um fundo moral calcado numa conceituação quase alegórica, mas essencialmente racional.
No dos outros é refresco, não é mesmo?
2.
Também há a loucura como referência para um processo criativo. O desregramento dos sentidos. No colégio é bem comum a gente achar que declamar dramaticamente um texto é se esgoelar e pôr a língua pra fora a cada estrondo. Às vezes a pessoa não percebe e fica a vida inteira refinando essa performance até que ela fique praticamente imperceptível. Outras vezes a pessoa desenvolve a ironia como sistema de defesa contra esses arroubos de seriedade da loucura fingida. E há, também, o exercício da desarticulação dos procedimentos artísticos para obtenção de um produto final inesperado pela percepção do espectador O.O
3.
Olhando o meu passeio
Há um louco sobre o muro
Balançando os pés.
Mostra-me o peito estufado de pêlos
E tem entre as coxas um lixo de papéis:
- Procura Deus, senhora? Procura Deus?
E simétrico de zelos, balouçante
Dobra-se num salto e desnuda o traseiro.
(Hilda Hilst, Do desejo)
4.
O título do texto é do trabalho do gUi mohallem, que eu estava vendo quando comecei a fazer as livres-associações. Mas pra falar de fotografia me falta repertório. Deixo o caminho.