terça-feira, 18 de agosto de 2009

Entrevista com Santiago Nazarian

"A biografia de um escritor é sua obra", corre por aí. Italo Calvino mentia em todas as entrevistas que dava, cada uma uma mentira diferente. Rubem Fonseca não dá entrevistas e não gosta de ser fotografado, quase que nem o J.D. Salinger, que no entanto é mais radical e chega a processar judicialmente quem fala dele sem permissão. Clarice Lispector entrevistou muitas pessoas, mas ela própria concedeu apenas uma ou outra entrevista. E dizem que, quando ela e Lígia Fagundes Telles estavam em algum evento e ela percebia alguém querendo fotografá-las, Clarice puxava Lígia de canto e dizia: faça cara de má, nós vamos ser fotografadas. Era a pose do escritor.

Eu, como leitor, poucas vezes me interessei a sério pelos autores. Quando comecei a ler Caio Fernando Abreu, aos 13 anos, eu quis muito ser amigo dele. Aí descobri que ele tinha morrido no ano anterior e fiquei triste. Depois, no final da adolescência, me deu um frisson de dois dias pensar que a Hilda Hilst, que tinha escrito aqueles livros que estavam me rasgando em mil pedaços, morava tão perto e eu não ia nem falar "obrigado" pra ela. Decidi com uma amiga que iríamos conhecê-la e a Hilda morreu no final daquela semana.

É uma coisa que acontece, os poetas mortos. Mas agora eu quero dizer que outra coisa acontece também, que é os poetas estarem vivos. E ter lido um livro do Santiago Nazarian bastou para que eu quisesse saber como ele tinha chegado àquilo - e como tinha passado por aquilo.


***

Santiago acaba de publicar seu quinto romance, O prédio, o tédio e o menino cego. Esse livro parece seguir uma trajetória similar à dos anteriores,* com boa recepção por parte da crítica e do público, coisa pouco comum no nosso mercado editorial. Agora ele fala de zumbis e da difícil passagem da infância para a adolescência, seguindo uma decisão corajosa de não deixar nada de fora e de não reproduzir as fórmulas prontas da boa literatura.

Abaixo, ele responde a cinco perguntas que lhe fiz por email.


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Pergunta: Como você começou a escrever e quando foi que decidiu se autodenominar escritor? Você poderia traçar um percurso entre o surgimento da vontade e a opção mais formal (por assim dizer) pela profissão de escritor?

Resposta: Eu venho de uma família de artistas, meu pai é artista plástico, tenho irmãos atores, e minha mãe sempre trabalhou com livros, em livrarias, na Biblioteca José Mindlin. Foi um percurso natural – porque sempre tive livros em casa, sempre gostei de ler. Até experimentei outras formas de arte – estudei piano, toquei teclado numa banda, fiz curtas-metragens na faculdade – mas escolhi a literatura pela independência, pela possibilidade de trabalhar sozinho, e fazer do meu jeito. Sempre fui muito individualista, então a literatura é a opção ideal. Comecei a escrever mais a sério, tentando formar livros, pelo final da adolescência, 17, 18... Era muito ruim, mas acho que tinha personalidade. Foi bom porque nunca fui travado para isso, escrevia muito, romances inteiros, horríveis, e passava para o próximo, aos poucos eles foram melhorando. Com 22 escrevi “A Morte Sem Nome”, que foi o segundo que publiquei, com 26. “Olívio” eu escrevi com uns 23, mas publiquei primeiro, com 25. Eu nunca achei que poderia ser escritor, como uma profissão, apenas gostava de escrever, e acho que estaria fazendo isso ainda hoje, mesmo que não tivesse publicado. O primeiro livro (“Olívio”) acabou saindo meio por acaso, porque tinha um concurso para romances inéditos (o Prêmio Fundação Conrado Wessel) e eu mandei, para ter uma certa avaliação. Ganhei o Prêmio, o livro saiu, daí me esforcei para que isso significasse alguma coisa, para que não morresse com a publicação de um livro, sem repercussão e sem novas possibilidades.


P: Numa entrevista de 2003 à Heloísa Buarque de Hollanda, o Waly Salomão diz o seguinte:
HBH: Como nosso defensor oficial da leitura [Waly havia sido nomeado secretário nacional do Livro e da Leitura], além de gostar de analfabetos você não tem medo da mídia?

WALY: De jeito nenhum. Foi o programa do Jô que me aproximou do Afroreggae. Por isso é que poeta não querer ir para arena pública está errado. Poeta criticar a coisa midiática é uma coisa da Europa civilizada pós-Hitler, mas que aqui não tem razão de ser. O poeta, o escritor tem que ter uma arena pública, tem que ter um modo de falar não só para o Departamento de Letras, não pode fazer uma poesia prêt-à-porter que agrade ao ouvido do professor. Ele tem obrigação de tentar alargar o seu escopo.
O poeta tem que ter uma arena pública? Tenho a impressão de que, nas suas entrevistas nos programas do Jô Soares e da Adriane Galisteu, os entrevistadores deram mais enfoque ao lado anedótico da sua vida do que aos seus textos - e, pelo que eu vejo, isso tende a acontecer com qualquer escritor que apareça fora da mídia especializada em literatura e artes. Isso te incomoda ou incomodou em algum momento? E, quando você aparece como "celebridade" nessas arenas públicas, qual o lugar que fica para o seu trabalho?

R: Acho que há um certo desperdício, sim... Essas entrevistas poderiam aproveitar mais o entrevistado, se aprofundar em questões literárias, e ainda assim serem divertidas. Mas é um risco, claro, quando você se aprofunda, pode estar perdendo público - perdendo audiência, no caso dos programas de TV. De qualquer forma, é inegável que programas como o do Jô... bem, principalmente o Programa do Jô, tenha aumentado meu público. Muita gente viu e achou engraçado, me achou um personagem interessante, começou a seguir meu blog. Alguns deles compraram meu livro – pode ter sido uma porcentagem pequena, mas de qualquer forma houve esse aumento no número de leitores. Então concordo com o Wally, é fundamental aproveitar qualquer arena que esteja disponível, na qual se possa fisgar novos leitores. Não me importa que um leitor compre meu livro porque me achou bonitinho... Aliás, pode ser mais interessante que um leitor compre meu livro porque me achou bonitinho, se é uma pessoa que não está acostumada a ler, e passa a ser. Me cansa um pouco falar da minha vida, mas me cansa também responder as mesmas perguntas sobre meus livros. É colocar no piloto automático e fazer, porque sempre terá gente que estará vendo pela primeira vez, e que vai se interessar.... Imagine quantas vezes já respondi a “por que você resolveu ser escritor”?


P: O seu primeiro romance, Olívio, foi publicado em 2003, e agora você acaba de lançar seu quinto livro, O tédio, o prédio e o menino cego. De que modo você acha que as críticas literárias e a sua presença na mídia afetaram, ao longo desses anos, o seu trabalho de criação, composição e escrita de romances? (se é que você acha isso:)

R: Pode parecer contraditório, mas a exposição me tornou mais livre. Veja, antes eu não tinha editora, eu não tinha público, e eu tinha certa vontade de ser aceito, de ser lido, tinha medo da crítica, da classe literária, sim, ou de nem conseguir publicar. Daí publiquei um livro, dois livros... Eu percebo claramente que meus livros foram ficando cada vez mais com minha cara. Hoje em dia vejo “Olívio”... não tenho vergonha nem renego, mas não é um livro nada pessoal, é um livro muito parecido com muita coisa que existe aí. Sou eu tocando num universo que é comum para muita gente. Daí eu lanço meu quarto, um livro narrado por um jacaré de esgoto, por uma editora tradicional, e tenho ótima aceitação – é meu livro que mais vendeu, inclusive. Obviamente isso me deixa cada vez mais confiante e livre para fazer do meu modo. Também é um processo natural de amadurecimento – “torna-te quem tu és”. Você vai consolidando seu próprio estilo. Mas claro que, ainda hoje, tenho certo receio, sempre dou esse passo além (que às vezes é um passo largo) e penso: “Como será que o público receberá isso? Será que alguém vai entender o que eu quis dizer?” Até agora, o saldo tem sido bem positivo.


P: Lembro de ler o Caio Fernando Abreu, numa crônica, acho, lamentando o fato de que "o escritor no Brasil" tem de conciliar o ganha-pão, muitas vezes extenuante, com a escrita. Nesse texto, Caio (que estava lançando Os dragões não conhecem o paraíso, se não me engano) dizia que adotara o seguinte método para escrever: trabalhava loucamente durante um tempo, até juntar uma grana razoável, e depois ficava um período de dois anos só escrevendo - e eventualmente contraindo dívidas.

(Um livro que eu acho que coloca esse lance na mesa é A hora da estrela, com o autor Rodrigo S.M. se referindo o tempo todo às suas contas a pagar e ao conforto em que escreve, uma espécie de burguês-pária).

Como você encara a relação entre as condições materiais da sua escrita e o resultado final dela, que são os romances e outros textos publicados?

R: Todos meus trabalhos giram em torno da escrita. E não lamento ter de fazer esses trabalhos para me sustentar. Eu aprendo muito como tradutor, por exemplo, acrescenta muito a mim como escritor. O mesmo como parecerista/resenhista. Para mim é um privilégio receber para ler um livro e dar minha opinião. Então agradeço conseguir viver disso, não me sinto prostituído, pelo contrário. Às vezes há trabalho demais, e falta tempo para escrever minha própria literatura, ou ler o que quero, mas sei que esses trabalhos vão me fortalecer como escritor, além de pagar minhas contas.


P: Como escritor, qual a sua ambição de vida? :)

R: Ter uma carreira sólida no exterior. Não é pouco.


***

* Livros publicados por Nazarian

Olívio (Ed. Talento, 2003)
A morte sem nome (Ed. Planeta, 2004)
Feriado de mim mesmo (Ed. Planeta, 2005)
Mastigando humanos: um romance psicodélico (Ed. Nova Fronteira, 2006)
O prédio, o tédio e o menino cego (Ed. Record, 2009)

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