terça-feira, 25 de agosto de 2009

Escrever. Escrever para

Numa mesa cheia de jovens escritores, fez-se a pergunta: por que você escreve? E seguiram-se respostas exaltadas e passionais, típicas de jovens: eu escrevo para lembrar, eu escrevo para dizer, eu escrevo para mudar, eu escrevo para me vingar.

Cuti, o único escritor maduro da mesa, com a pontualidade característica de quem mastiga o tempo, deu a resposta mais óbvia e, na minha opinião, a mais acertada: eu escrevo para ser lido.

É tudo o que um leitor atento deseja ouvir. A menos que esse leitor se identifique a tal ponto com os textos que lê que creia que a dor contida neles seja a sua própria dor, e não dor fingida, de ninguém e de todo mundo, que é dor sobre a dor que nós deveras sentimos.

A escrita para ser lida refaz o caminho ancestral da palavra, água que banha duas margens e que segue.

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Não se trata de empatia. Nem de agrado. É sim uma comunhão que transcende o imediato. Quem olhar para o céu de uma noite clara de luar verá a lua. E quem não puder ver pode saber que é a lua se alguém, ao seu lado, lhe contar. Simples, bem simples.

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Uma das pessoas que eu mais admiro é Susan Sontag. Seus ensaios têm a clarividência de um primeiro conhecimento, límpido aberto e ávido pelo avanço. Sontag é uma pensadora estadunidense por completo: afirma a liberdade de escolha, a diversão, o orgulho da razão e a vontade messiânica e evangelista por um mundo melhor. Todas qualidades que um americano intelectualizado, seja qual for o seu país e idioma, gosta de vislumbrar de um algum modo. Pois, ainda que longinquamente, os Estados Unidos são a grande promessa do mundo.

Sontag foi uma americana disposta a cumprir essa promessa. Em meio à Guerra do Vietnã, ela viajou para o país que os EUA bombardeavam a fim de entendê-lo e assim humanizá-lo aos olhos de seus compatriotas, sendo uma missionária da justiça em toda parte, até em casa. Em setembro de 2001, foi talvez a única voz de peso em Nova Iorque a destoar do coro neobárbaro que se unanimizava após os ataques ao World Trade Center, negando radicalmente a retórica bélica e xenófoba que se instaurava sem, contudo, inocentar a barbárie do outro. Não justificar a barbárie é um traço comum em seus ensaios.

Era uma pensadora militante, podemos dizer. Bem no rastro do que se entende por militância hoje, surgido com os modos de organização civil que apareceram nos anos 60: um posicionamento político incessante, que abrange todas as esferas da vida pública e privada e que advoga pela factibilidade da utopia do bem comum.

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Mas o que eu conheço de Susan Sontag são só alguns livros de ensaios. Ela também escreveu romances, contos e peças de teatro, gêneros fictícios e fingidores. Sobre isso, a pensadora se pronunciou ao receber um prêmio em Frankfurt, na Alemanha:
A escritora que há em mim desconfia da boa cidadã, da "embaixatriz intelectual", da ativista dos direitos humanos - papeis mencionados na apresentação deste prêmio, por mais que eu me empenhe neles. A escritora é mais cética, tem mais dúvidas a respeito de si mesma, do que a pessoa que tenta fazer (e apoiar) o que é certo.

Uma das tarefas da literatura é questionar e construir contra-afirmações às crenças dominantes. E mesmo quando a arte não é de oposição, as artes gravitam rumo à contrariedade. Literatura é diálogo; receptividade (...) [e] escritores são criadores, não só transmissores, de mitos. A literatura oferece não só mitos, mas contramitos, assim como a vida oferece contra-experiências - experiências que perturbam aquilo que pensávamos pensar, sentir ou acreditar.

(Susan Sontag, no livro Ao mesmo tempo)

2 comentários:

  1. c tem escrito umas coisas aqui TÃO que eu fico com vontade de comentar mas não me sinto na alutura

    (alutura, minha tia, parva)


    kkkkk
    tô com saudade de ti, meu desêijo,

    béijo

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  2. Um grifo de presente:

    "-Parece-me que só quando estiver em um livro deixará de fazer sofrer... Descubro isso através desta história que vivo com você: escrever é isso também, sem dúvida, é apagar. Substituir."

    Emily L., Marguerite Duras

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