Depois do desânimo de bibliômano da semana passada, dois encontros me fizeram voltar a gostar de ler: um com a Andrea, que voltou de viagem prolongando experiências; outro com o Pierre Bayard, que chegou pelos correios dizendo "ih, relaxa, mona". Aí, sobre excessos e tal, eu fiquei pensando...
E se "as grandes obras do século XX" foram escritas justamente para não serem lidas? O que os literatos, cheios de si, gabam como uma recusa da poesia ao mundo burguês, automatizado, materialista, consumista, blablablá, pode ser uma bomba de sentido oposto: uma recusa da poesia às pretensões totalizantes, lucrativas (talvez não de capital financeiro, mas sem dúvida de capital simbólico), redutoras e pedantes desses mesmos literatos. Que direcionam o texto pelos seus interesses e dão cabo de todo o resto.
O Grande sertão: veredas, por exemplo, é um texto de perdas e descaminhos, do impreciso. E a crítica literária (que é um gênero textual histórico, não posso abrir mão disso) reconhece isso ao mesmo tempo em que tece interpretações e ergue monumentos para um livro cuja leitura é porosa, areia, impegável. O Grande sertão recusa reducionismos. E - vejam-se os congressos e teses que se multiplicam em mônadas - falha nessa recusa. Assim como todas as outras "grandes obras" que, na verdade, permitem apenas percursos precários de leitura.
Nem no conjunto essa recusa é bem sucedida. Poderia ser? É humanamente impossível que alguém leia com dedicação punhetórea e minúcia todos os catataus editoriais que o século XX deixou, mas ainda assim os literatos conseguem domesticar nomes e idéias por aquilo que Pierre Bayard chama de "faculdades de orientação" numa "visão de conjunto" do que é entendido como alta cultura. Ou seja, o manejo do cânone - que é aquilo que a gente chama, não inocentemente, de "literatura".
... Mas que besteira falar em "recusa da poesia". Não é ela também que engendra a biblioteca como teatro?
E se "as grandes obras do século XX" foram escritas justamente para não serem lidas? O que os literatos, cheios de si, gabam como uma recusa da poesia ao mundo burguês, automatizado, materialista, consumista, blablablá, pode ser uma bomba de sentido oposto: uma recusa da poesia às pretensões totalizantes, lucrativas (talvez não de capital financeiro, mas sem dúvida de capital simbólico), redutoras e pedantes desses mesmos literatos. Que direcionam o texto pelos seus interesses e dão cabo de todo o resto.
O Grande sertão: veredas, por exemplo, é um texto de perdas e descaminhos, do impreciso. E a crítica literária (que é um gênero textual histórico, não posso abrir mão disso) reconhece isso ao mesmo tempo em que tece interpretações e ergue monumentos para um livro cuja leitura é porosa, areia, impegável. O Grande sertão recusa reducionismos. E - vejam-se os congressos e teses que se multiplicam em mônadas - falha nessa recusa. Assim como todas as outras "grandes obras" que, na verdade, permitem apenas percursos precários de leitura.
Nem no conjunto essa recusa é bem sucedida. Poderia ser? É humanamente impossível que alguém leia com dedicação punhetórea e minúcia todos os catataus editoriais que o século XX deixou, mas ainda assim os literatos conseguem domesticar nomes e idéias por aquilo que Pierre Bayard chama de "faculdades de orientação" numa "visão de conjunto" do que é entendido como alta cultura. Ou seja, o manejo do cânone - que é aquilo que a gente chama, não inocentemente, de "literatura".
... Mas que besteira falar em "recusa da poesia". Não é ela também que engendra a biblioteca como teatro?
Apaga-te.
ResponderExcluirO rio não está diante de ti
Como imaginas.
Há apenas o fosso
E a mesa inudada de papéis:
Conjeturas lassas
Sobre a aspereza das palavras.
O rio não está diante de ti.
Está além. Viaja.
(Hilda Hilst [?], em Estar sendo. Ter sido)