sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Projeções & narrativas de si: notas


a alegria é a prova dos nove

1.

A premissa de que a literatura, desde o fim do século XIX, encena um derrotismo do sujeito. Procede? Uma falha absoluta da existência, vanidade. O não-autor que não-diz.

Ou isso é invenção da crítica? Será que é a crítica literária que, desde os anos 1940, empreendeu esse projeto de literatura desencantada?

Será que isso é um projeto político de apatia?

2.

O suicídio é uma atitude extrema. Que personagens de romances / que poemas encenam o suicídio? Clarice Lispector, num conto (acho que de A bela e a fera), a personagem-narradora conversando com um homem que pensa em se matar diz que não nos é permitido o suicídio, que o nosso dever é querer viver.

Na minha adolescência, Clarice Lispector era sinônimo de autoaniquilação. Era assim que a gente lia.

Os sofrimentos do jovem Werther é de 1774. Todo o romantismo emo oitocentista é evocado pelos adolescentes góticos que curtem cemitério, aquela necrofilia do Álvares de Azevedo. Mas aí acho que o suicídio é mais alegórico.

O suicídio de Sylvia Plath e de Ana Cristina Cesar, como fato, têm muito mais força e veracidade.

Sylvia Plath particularmente. Sua obra é considerada suicida. Em A redoma de vidro, espécie de autobiografia (o que é autobiografia?), a personagem principal é uma suicida frustrada. Assim como o eu-lírico de "Lady Lazarus".

No entanto, Ariel. Quando Plath morreu, deixou o livro pronto. Ted Hughes editou-o. Sua alteração mais significativa foi a inclusão, como último poema do livro, de "Edge", talvez o último poema escrito por Plath.


Beira

A mulher está perfeita.
Morto, seu

Corpo veste o sorriso da conquista,
A ilusão de uma Grega necessidade

Escorre nos cortes de sua toga,
Nus, seus

Pés parecem dizer:
Viemos tão longe. Acabou-se.

Cada filho morto encolhido, cobra branca,
Um em cada pequena

Tigela de leite, agora vazia.
Ela os dobrou

De volta ao seu corpo como pétalas
De uma flor que fecha quando o jardim

Espeta e odores sangram
Da funda e doce garganta da dama da noite.

A lua não tem porque ficar triste,
Atenta com seu chapéu de osso.

Ela sabe como funcionam essas coisas.
O escuro dela quebra e draga.


Cerca de vinte anos depois, Ariel foi republicado, agora como o tinha planejado Sylvia Plath. O último poema é "Wintering", o inverno. O poema fala sobre mel e seu último verso é

The bees are flying. They taste spring.

"As abelhas voam. Saboreiam primavera." E Plath dedica Ariel a seus filhos.

3.

O suicídio não é apático. A melancolia é.

Mesmo na arte pop: a Marilyn de Andy Warhol é uma paródia melancólica, não afirmativa. Como a música de Tom Zé, "a Brigitte Bardot está ficando velha / envelheceu antes dos nossos sonhos". Marylin já tinha morrido quando Warhol reproduziu seu rosto.

4.

A música pop, no entanto. A música disco é afirmativa: "I am what I am", "I will survive", "Hey boy, there's no need to feel down", "I've got all my sisters with me".

Na literatura, a alegria? Só consigo pensar no Guimarães Rosa. Como uma alegria que não passa pelo filtro do cinismo ou da ironia. A visão do peru no quintal, a de uma árvore enorme. Logo depois, a morte. Mas não é uma morte de derrota, porque não é racional. É o menino que vê a morte, aprende com a morte, mas ele vive a morte com seu corpo fresco de menino, como uma surpresa, não uma fatalidade. Olha o menino, ui ui ui.

Na música é mais fácil encontrar essa atitude. Caetano Veloso. Alegria e generosidade.


5.

O que é mais difícil encontrar na música pop é o suicídio. Os astros da música geralmente esgotam a vida. Janis Joplin, Cazuza. Mesmo Kurt Cobain não cantava o derrotismo. "Eu sou tão feio, mas tudo bem / Você também, a gente quebra os espelhos. // Manhã de domingo é todo dia / E eu não ligo, não tenho medo".





O suicídio aparece nessa música aí debaixo.



Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender



6.

O pop destes últimos anos. Girls just wanna have fun. Lady Gaga parodia e homenageia o kitsch. É quase tropicalista (kkkkkkkkkk). Será legal ler o Rilke Shake vendo um show da Lady Gaga?

2 comentários:

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